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O que este artigo de Constança Tatsch para O Globo mostra é que cada vez mais as pessoas mais velhas, com mais de 60, 70, 80 anos, estão ativas, descobrindo seus próprios talentos e pondo em prática seus sonhos. A questão é que estamos vivendo mais tempo. Então, alguém que se aposenta aos 65, por exemplo, tem ainda muito tempo pela frente. É necessário utilizar esse tempo da melhor maneira possível, fazendo o que a gente realmente tem vontade de fazer, até por que, querendo ou não admitir, essa é a última etapa da nossa existência.
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“É sair da cristaleira, tirar o mofo, não ficar para trás”, diz Sonia Bonetti, 84, a um internauta no Youtube. Esse é um dos seus lemas, citado ao lado das amigas Gilda, 80 anos, e Helena, 93, com quem, ao longo de 50 anos, se encontrou em mesas de bar para debater a “filosofia de boteco”.
Hoje, qualquer pessoa pode se sentar com elas para ouvir suas histórias, dicas culturais, orientações sobre saúde e reflexões sobre a vida, juventude e velhice, basta seguir a @avosdarazão. Elas já contam com mais de 193 mil seguidores no Instagram, além de 86 mil inscritos no canal do Youtube, onde respondem a perguntas.
As Avós da Razão fazem parte de um grupo de idosos e idosas, principalmente, que vêm fazendo sucesso na internet. Cada uma no seu estilo, seja para fazer piadas com os netos, ensinar receitas com a irmã, mostrar os looks mais arrojados, dublar músicas, ou tocar piano para uma plateia virtual.
— O velho está vivendo muito e ele precisa encontrar um caminho para essa velhice longa para que não se sinta à parte da sociedade, não se sinta menosprezado. Dos 65 aos 90, são muitos anos que a pessoa precisa preencher de alguma maneira — diz Sonia, que não gosta de ser chamada de “dona”.
Para especialistas, esse tipo de atividade só traz benefícios aos idosos. A geriatra Maísa Kairalla, coordenadora do ambulatório de transição de cuidados da Geriatria e Gerontologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), considera que as redes podem criar um mundo novo para eles:
— Tem vários aspectos super positivos. O que aconteceu com o cérebro de muitos idosos na pandemia é estarrecedor, com muito prejuízo cognitivo. Então, hoje temos que ser mais inteligentes e usar a tecnologia para isso. O cérebro tem capacidade plástica, tudo que estimula melhora. E, com esses vídeos, a pessoa estimula o cérebro, reforça o vínculo social, com quem grava (o neto, um filho, um amigo), com os seguidores, e se sente útil. É um novo motivo para viver— afirma a médica.
É vital se manter ativo
Sonia Bonetti concorda que, especialmente na pandemia, o idoso que não conseguiu lidar com a tecnologia ficou muito isolado. Mesmo ela, que foi a primeira da família a ter um celular, diz que correu atrás e se aprimorou nesse período.
— O velho parece que tem vergonha de ser velho. Então ele tira o corpo, diz ‘isso não é mais para mim, na minha idade não aprendo’. É um comodismo muito grande e que faz com que o velho fique à margem. Por isso, quando a pessoa comenta com a gente que mudou a maneira de pensar, mudou de vida, se remoçou, buscou novos interesses, é o mais bacana. Isso é o principal.
Diminuir o ócio, criar novas relações, interagir e se manter ativo são também formas de combater a depressão na velhice que, segundo Kairalla, afeta até 13% da população nessa faixa etária.
Nalva Nobrega, que tem 94 anos, toca piano desde criança e agora posta vídeos tocando boleros e músicas antigas no Instagram. Em ocasiões especiais, faz lives com a ajuda de uma filha. Para ela, compartilhar a sua música foi uma forma de se manter plena e ativa.
Veja que bonito o piano de Nalva:
— É uma expansão da arte e dos sentimentos. Isso me alimenta e me dá mais vontade de viver. Os comentários agradam meu espírito, não por vaidade, mas traz ânimo quando alguém me ouve, me elogia — conta.
Contra o preconceito de idade
Se a participação ativa nas redes sociais faz bem aos idosos influenciadores, também tem potencial para fazer o mesmo pela sociedade. Primeiro, combatendo o preconceito contra os mais velhos, como explica a antropóloga e professora da UFRJ Mirian Goldenberg.
— A velhice pode ser, e é, um momento de conquistas, de alegria, de descobertas, de humor. As pessoas enxergam a velhice só por um lado, da perda, da falta, da doença, da feiura, e esses influenciadores mostram que não é só isso, tem também muitas outras coisas — afirma ela. — Não importa se estão ganhando dinheiro, se tem 500 ou 3 milhões de seguidores, mas essas pessoas saíram da invisibilidade, da inutilidade, da falta de escuta como é para a maioria dos velhos [como preferem ser chamados, segundo ela].
Para Goldenberg, esses vídeos, quando assistidos por pessoas mais jovens, são também uma oportunidade para que abram os olhos para quem está ao lado deles — os idosos das suas próprias famílias, vizinhos ou amigos.
— Se você está interessado, pode enxergar o que a velhice é e não o que temos medo que seja. Talvez esses influenciadores consigam fazer com que as pessoas vejam e escutem quem está em suas casas, em vez de dar ordens, tirar autonomia ou esquecer deles. Eles mostram o que sabem fazer e como podem ser úteis, como aquela que sabe cozinhar ou a que toca piano lindamente. O segredo é transformar isso numa prática dentro das próprias casas. E os velhos se sentirem ouvidos, reconhecidos, respeitados, e não abandonados.
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Autenticidade
Os idosos influenciadores encantam porque trazem algo não tão comum nas redes sociais, sempre tão fartas de mulheres com corpos perfeitos de biquini ou dancinhas esquisitas: a autenticidade. Como diz a antropóloga, são espaços em que não existe a frequente “angustia da comparação e do fracasso” para quem os assiste.
Assim como as alegrias e talentos, eles relatam suas dores e dificuldades, e não temem usar algum palavrão para reclamar de um ou outro obstáculo da velhice — mas que não os impede de sair da cristaleira para as telas.