Márcia Lage
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Um livro – como sempre – acaba de me resgatar de momentos angustiantes deste ano de 2022. Muitos amigos morreram e muitos enfrentam um início de velhice com doenças graves: físicas e psíquicas. Começa a ruir minhas convicções sobre a vida. Angústia e medo cavam rugas no otimismo do meu próprio envelhecimento.
Quem me salvou do baixo astral foi Jane Fonda, com o livro O Melhor Momento – Aproveitando ao máximo toda a sua vida, escrito quando a atriz estava prestes a completar 70 anos. Ela conversou com inúmeros especialistas em envelhecimento e, partindo de sua própria trajetória de vida, escreveu um belo manual de como não se deixar abalar pelo inegociável, que são a velhice e a morte.
A atriz troca o arco da existência, vista como ascenção, apogeu e declinio, para a imagem de uma escada, cujos degraus começamos a subir ao nascer e nunca mais paramos. Os últimos são os degraus da sabedoria, da espiritualidade e da consciência da morte, que na opinião da atriz, jamais pode ser renegada.
Racional e prática, Jane Fonda, que já tem 85 anos, aconselha, além de exercícios, boa alimentação, vida social, visitas regulares aos médicos, estudos continuados e projetos, planejamentos financeiros desde cedo, para que não venhamos a sofrer revezes após a aposentadoria.
Ela sugere três atitudes: 1) aplicações de curto, médio e longo prazos, que possibilitem o aumento do patrimônio líquido e retiradas seguras quando as entradas de dinheiro cessarem.
2) A contratação de seguros de vida com assistência a longo prazo, que garantam casas de apoio, cuidadores, socorros de urgência, atendimento medico/hospitalar se necessário.
3) Deixar registrado em cartório testamento detalhado dos bens móveis e imóveis e a quem se destinam, em caso de morte, bem como o testamento vital, que é uma espécie de procuração a familiares e médicos sobre até onde você quer ser mantido vivo, se já não tiver mais esperança de cura nem lucidez para decidir.
Nós, brasileiros, aprendemos a não planejar nada. Vivemos tapando buracos e deixando para os outros responsabilidades que são nossas. A maioria dos aposentados não planeja o terceiro ciclo da vida. Fica sem recursos para desfrutar do tempo livre, adoece, termina em asilos públicos horrorosos e precisa da vaquinha de amigos para serem enterrados.
Esse fim de vida, sem folga financeira, os torna revoltados, tristes ou chatos. O estado de ânimo depressivo e a dependência financeira e emocional os afasta dos poucos amigos que sobraram e de novos relacionamentos que poderiam renovar as forcas de continuar existindo.
Jane Fonda tem razão. Mas fala de um lugar civilizado, onde, apesar da falta de assistência pública e gratuita aos idosos, há programas particulares acessíveis à maioria da população, inclusive novas formas de residência, onde a individualidade é respeitada e cada um pode cultivar seu jardim e ter seu animal de estimação, se quiser.
Ao ler o livro procurei imediatamente os tais seguros de vida com assistência a longo prazo. Sabem o que encontrei? Negativas das principais seguradoras do país, por ter mais de 65 anos. Também
não posso financiar uma casa nova, mais adequada ao meu futuro de velha. Passei da idade de planejar os muitos anos de vida que ainda me restam, se eu não desmentir as estatísticas.
A população brasileira vive cada vez mais e continuamos longe de pensar o país como Jane Fonda defende: com velhos assumindo cargos públicos e de direção em todas as áreas, pela experiência, sabedoria, liberdade e disposição para a luta.
Lendo o livro é que vi como somos tratados como estorvo. Convoco à luta meus parceiros de idade, para reescrevermos o Estatuto do Idoso e tomarmos o poder.
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