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Alguns meses antes de completar sua oitava década de vida, em 25 de agosto, Frei Betto fez um rápido balanço de sua vida, tantas vezes em perigo, e de suas atividades, que não cessam nunca.
Ativo e cheio de compromissos – assessorias, que implicam frequentes viagens; conferências; literatura; trabalho pastoral -, ele brinca, dizendo que “a vida se divide em duas fases, a da sorveteria e a da farmácia. Sou freguês da segunda, cadastrado em todas elas.”
Lembra, no entanto, que observa alguns requisitos “da boa saúde: meditação; ginástica; moderação na comida e na bebida; boas amizades; bom humor; e, sobretudo, não dar importância ao que não tem importância.”
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Completo 80 anos no segundo semestre. Surpreendo-me. Porque a morte, várias vezes, andou por perto de mim como um alçapão que se abre, inesperadamente, sob meus pés.
Aos 11 anos, caí entre as rodas dianteira e traseira de um caminhão, em cuja carroceria eu me pendurara como carona para subir a rodovia BR-3, em Belo Horizonte. Por muito pouco não fui esmagado.
Aos 13, fui prensado entre o bonde e a carroceria de um caminhão que descarregava bebidas num bar, na rua Siqueira Campos, no Rio de Janeiro. Eu estava no estribo e retornava da praia. Ficaram-me algumas cicatrizes.
Aos 15, em Belo Horizonte, capotei no carro dirigido por Toninho da Mata que, mais tarde, viria a se tornar astro do automobilismo.
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Aos 20, no Rio, fui violentamente espancado pelos agentes do famigerado Centro de Informações da Marinha (Cenimar), hoje Centro de Inteligência da Marinha. Eu havia sido confundido com Betinho que, mais tarde, fundaria a Ação da Cidadania contra a Fome. Entreguei-me a Deus, até por falta de alternativa.
Aos 25, em Porto Alegre, caí de novo nas mãos dos algozes da ditadura militar. Esperei o pior. Sobrevivi à fase inicial, mas psicologicamente me preparei para um destino trágico. Meses depois, os sentinelas do Presídio Tiradentes, em São Paulo, apontavam seus fuzis para os presos políticos em períodos de sequestros de diplomatas. Todos os nossos contatos com o exterior eram cancelados, inclusive visitas de advogados. A palavra fuzilamento ressoava recorrente.
Transferido para o meio de presos comuns na metade dos quatro anos em que fiquei engradeado, admiti que facas e estiletes poderiam me ameaçar de abuso ou extorsão. Fui salvo pela fama de “terrorista”. O vocábulo subiu à cabeça dos companheiros e passei a ser respeitado como um capo da máfia. Tinham mais medo de mim do que eu deles.
Aos 40, uma cartomante (sim, sou religiosamente sincrético, até porque Deus não tem religião) previu que eu morreria aos 57. E já se vão 23 anos de sobrevivência…
Agora, prestes a completar 80, prossigo em plenas atividades. Sim, no plural, porque elas se multiplicam: assessorias, que implicam frequentes viagens; conferências; literatura; trabalho pastoral; e os imprevistos, que não são poucos.
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Se a cabeça segue relativamente bem (o advérbio se deve à afirmação de Fernando Sabino, “mineiro nasce louco; depois, piora”) o corpo dá os seus enguiços. A vida se divide em duas fases, a da sorveteria e a da farmácia. Sou freguês da segunda, cadastrado em todas elas.
Mas observo alguns requisitos da boa saúde: meditação; ginástica; moderação na comida e na bebida; boas amizades; bom humor; e, sobretudo, não dar importância ao que não tem importância. O segredo da felicidade está no desapego. Do dinheiro, do poder e, o mais difícil, de si mesmo.
Filho da geração analógica, sou semianalfabeto digital. As redes me asfixiam. Dão-me sensação de enorme perda de tempo. Prefiro não trocar o atacado pelo varejo. Ando grávido de uma biblioteca e preciso de tempo para enfileirar todos esses potenciais livros como obras reais nas prateleiras de minha coleção.
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A vida é curta, já diziam os latinos, mas convém não encurtá-la ainda mais afogado no pântano dos lamentos ou sugado pelo vazio da ociosidade.