Márcia Lage
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Conheci uma cidade onde a população bebe água mineral de graça. Águas carbogasosas, ricas em ferro, magnésio, lítio, entre outras propriedades, que as tornam curativas.
Todas as manhãs a gente do lugar enche garrafas nas inúmeras fontes, de onde elas emergem do centro da terra, escolhendo de acordo com as propriedades de cada uma.
Outros levam copos menores para um ritual de cura ali mesmo, com águas que removem pedras dos rins, organizam o trato intestinal, regulam a pressão arterial e acertam o ritmo dos corações acelerados por estresse ou ansiedade.
Ingerem o precioso líquido na fé de que ele é néctar enviado diretamente por Deus, para propiciar vida longa a quem dele provar.
Dos 22 mil habitantes da cidade, mais da metade é constituída de velhos. Parece que as águas dão a eles duas décadas ou mais de vida em relação à média brasileira.
E uma lucidez invejável para quem já ultrapassou os 80 sem derrapar na memória.
Um senhor de andar ágil passa os dias ali, na obrigação que se deu de ensinar aos visitantes as propriedades milagrosas das águas.
Uma delas, de acordo com ele, elimina as manchas da idade, melhora o tônus da pele e mantém a visão cristalina, até depois dos 90 anos.
Ele recomenda lavar os braços e os olhos com ela, todos os dias, para se beneficiar dos efeitos curativos da água.
Às 9h da manhã muitos estão de roupa de banho para esperar a explosão de um Geiser de mais de 40 mil anos (único da América Latina), que percorre cerca de dois mil metros do leito de pedras vulcânicas, aonde dorme, para dar as boas-vindas ao visitante, lavando-o com a mais pura água que se pode imaginar.
O banho traz alegria e disposição, trata a pele e os cabelos, garantem os que participam da experiência.
Ao lado do Geiser, que volta rápido ao seu esconderijo no coração da terra, há duas duchas com propriedades similares. O complexo para envasamento e, mais ao fundo, um lago cortado ao alto por um teleférico, que leva turistas ao morro de Caxambu, extinto vulcão que colabora com a qualidade única daquelas águas minerais.
Desde o Império que essa região é conhecida e pesquisada. O aquífero abrange 23 municípios do sul de Minas. E Caxambu tem a maior concentração de águas carbogasosas do Planeta.
Diz a lenda que a princesa Isabel, para se curar da infertilidade, provocada por anemia, conseguiu engravidar ao beber a água ferruginosa de uma fonte, que foi batizada depois com o nome dela.
No total, são 12 fontes concentradas no pequeno Parque das Águas, no centro da cidade, de traçado francês, projetado em 1886.
Ele é cortado por um riacho, ladeado por álamos e tem ao centro o majestoso balneário hidroterápico, edificação neoclássica de 1910, com vitrais e azulejos portugueses.
As fontes são cobertas por construções de ferro, com arabescos nos tetos, um charme art-deco.
Tudo isso, no entanto, está em franca decadência, porque o governo municipal não dá conta de administrar o patrimônio, gerenciado por uma estatal mineira, ameaçada de privatização. Ou extinção.
A atual administração quer transferir o negócio para a iniciativa privada por 30 anos, enquanto os usuários do parque propõem uma gestão local do patrimônio cultural e imaterial do povo, elevando-o à condição de espaço de cura holística, com implementação de práticas interativas, complementares aos tratamentos de saúde.
Caxambu poderia ser um modelo de cidade voltada para idosos, mas tem os jovens clamando por diversão, cultura,
lazer, estudos, trabalho, renda.
O parque não sustenta o município. E assim, ele vai perdendo sua beleza e sua medicina entre flores, como definiu Rui Barbosa ao visitá-lo em 1919, quando também escreveu: “Minas ainda não percebeu todo o valor de sua joia”.
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