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O número de pessoas com mais de 60 anos ingerindo bebida alcoólica no país preocupa as autoridades, porque vem crescendo continuamente desde a pandemia de Covid-29, iniciada no final de 2019.
Segundo este artigo, publicado pelo New York Times e reproduzido pelo Globo, a situação é tão séria no Brasil, onde a população envelhe rapidamente, que já pode ser considerada um problema de saúde pública.
Estudo mostra um quarto da população brasileira com mais de mais de 60 anos está consumindo bebida, parcela deles de maneira pesada.
O problema também é sentido em outros países. Nos Estados Unidos, as autoridades de saúde públicas estão cada vez mais alarmadas com o consumo de álcool pelos idosos.
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Um em cada quatro brasileiros (23,7%) com 60 anos ou mais consome álcool. Além disso, 6,7% (aproximadamente 2 milhões de idosos) relatam consumir diversas doses de uma só vez, formando um padrão de consumo abusivo e extremamente prejudicial conhecido como binge drinking. E 3,8% (mais de 1 milhão) costumam beber, em uma semana típica, entre 7 a 14 doses por semana, quantidades que podem colocar em risco sua saúde.
As informações são de um estudo conduzido pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), publicado nas revistsa científicas Substance Use & Misuse e BMJ Open. De acordo com a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), os números mostram que o consumo de bebidas pelos idosos no Brasil pode ser considerado um problema de saúde pública. E esse cenário não é exclusivo do Brasil.
Nos Estados Unidos, as autoridades de saúde pública também estão cada vez mais alarmadas com o consumo de álcool dos idosos. O número anual de mortes relacionadas com o álcool de 2020 a 2021 ultrapassou 178 mil, de acordo com dados divulgados recentemente pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês). Isso representa mais mortes do que todas as overdoses por drogas combinadas.
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Uma análise do Instituto Nacional sobre Abuso de Álcool e Alcoolismo mostra que as pessoas com mais de 65 anos representavam 38% desse total. De 1999 a 2020, o aumento de 237% nas mortes relacionadas com o álcool entre aqueles com mais de 55 anos foi superior ao de qualquer grupo etário, exceto entre os de 25 a 34 anos.
Em grande parte, os americanos não conseguem reconhecer os perigos do álcool, afirma George Koob, diretor do instituto que conduziu o estudo. — O álcool é um lubrificante social quando usado dentro das diretrizes, mas não creio que eles percebam que à medida que a dose aumenta, ele se torna uma toxina. E é ainda menos provável que a população mais velha reconheça isso — o especialista argumenta.
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O crescimento no número de idosos é responsável por grande parte do aumento nas mortes, de acordo com Koob. O envelhecimento da população pressupõe um aumento contínuo que preocupa prestadores de serviços de saúde e defensores dos idosos, mesmo que o hábito de beber dessas pessoas não mude.
Mas o fato é que isso parece estar mudando. A taxa de pessoas com mais de 65 anos que declara ter consumido álcool no último ano (cerca de 56%) e no último mês (cerca de 43%) são mais baixas do que para todos os outros grupos de adultos. No entanto, os consumidores mais velhos são muito mais propensos a beber com frequência, 20 dias ou mais por mês, do que os mais jovens.
Além disso, uma análise feita em 2018 concluiu que o consumo excessivo de álcool (definido como quatro ou mais bebidas em uma única ocasião para as mulheres, cinco ou mais para os homens) aumentou quase 40% entre os americanos mais velhos nos últimos 10 a 15 anos.
Preocupação para os familiares
O toque do telefone acordou Doug Nordman às 3 da manhã. Um cirurgião estava ligando de um hospital em Grand Junction, Colorado, onde seu pai havia chegado ao pronto-socorro, incoerente e com dor, minutos antes de perder completamente a consciência.
A princípio, a equipe pensou que ele estava sofrendo um ataque cardíaco, mas uma tomografia computadorizada descobriu que parte de seu intestino delgado havia sido perfurada. Uma equipe cirúrgica consertou o buraco, salvando sua vida, mas o cirurgião tinha algumas dúvidas.
— Seu pai era alcoólatra? — ele perguntou. Os médicos encontraram Dean Nordman desnutrido e com a cavidade peritoneal “inundada de álcool”.
Doug Nordman, conselheiro de finanças e militar que mora em Oahu, no Havaí, explicou que seu pai, de 77 anos, sempre bebia socialmente: um uísque com água com a esposa antes do jantar, depois mais um durante a refeição, seguido de outro depois da comida e talvez uma bebida antes de dormir.
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Tomar três a quatro bebidas por dia excede as diretrizes atuais, que definem o consumo moderado como duas doses por dia para homens e uma para mulheres, ou menos. Mas “isso era a o normal de beber da época”, diz Doug, agora com 63 anos.
Porém, no momento de sua hospitalização, em 2011, Dean, um engenheiro elétrico aposentado, era viúvo, morava sozinho e desenvolvia sintomas de demência. Ele se perdeu enquanto dirigia, tinha dificuldades com as tarefas domésticas e reclamava de uma “memória que falhava às vezes”.
Ele rejeitou as ofertas de ajuda dos dois filhos, dizendo que estava bem. Durante a hospitalização, porém, Doug quase não encontrou comida no apartamento do pai. Pior ainda, analisando os extratos do cartão de crédito de seu pai, viu cobranças recorrentes de uma loja de bebidas alcoólicas e percebeu que ele bebia meio litro de uísque por dia
Por que esse aumento está acontecendo?
A pandemia claramente desempenhou um papel importante no aumento de casos de consumo excessivo de álcool. Segundo estatísticas do CDC, houve crescimento no número de mortes atribuídas diretamente ao consumo de álcool, de atendimentos de emergência associados ao álcool e das vendas de álcool per capita entre 2019 e 2020, à medida que a Covid-19 se espalhava mundialmente e restrições eram estabelecidas.
— Muitos fatores de estresse nos impactaram bastante, principalmente o isolamento e as preocupações de adoecer. A mudança nos dados indicam a tendência das pessoas de beber mais para lidar com esse estresse — Koob constata.
Os pesquisadores também citam um fenômeno chamado efeito de coorte, isto é, variações nos resultados do estudo em grupos específicos. De acordo com Keith Humphreys, psicólogo e pesquisador de dependência em Stanford, os boomers (pessoas nascidas entre as décadas de 1940 e 1960) são uma geração que “usa mais substâncias”, em comparação com aqueles que vieram antes e depois deles, e parecem não abandonar seu comportamento juvenil.
Estudos mostram também uma redução da divisão de gênero, uma vez que as mulheres têm sido as impulsionadoras da mudança nesta faixa etária, segundo Humphreys.
De 1997 a 2014, o consumo de álcool aumentou em média 0,7% ao ano entre os homens com mais de 60 anos, enquanto o consumo excessivo permaneceu estável. Entre as mulheres mais velhas, o consumo de álcool aumentou 1,6% anualmente, e o consumo excessivo aumentou 3,7%.
— Ao contrário dos estereótipos, as pessoas instruídas da classe média alta têm taxas mais elevadas de consumo de álcool. Nas últimas décadas, à medida que as mulheres foram ficando mais instruídas, elas ingressaram em locais de trabalho onde beber era normativo, e elas também tinham mais renda disponível. As mulheres que se aposentam agora têm maior probabilidade de beber do que as suas mães e avós — o psicólogo explica.
No entanto, o consumo de álcool representa um impacto ainda maior para os idosos, especialmente para as mulheres, que ficam intoxicadas mais rapidamente do que os homens porque são menores e têm menos enzimas intestinais que metabolizam o álcool.
Os idosos podem argumentar que estão apenas bebendo como sempre fizeram, mas as quantidades equivalentes de álcool têm consequências muito mais desastrosas para os mais velhos, cujos corpos não conseguem processá-lo tão rapidamente, alerta David Oslin, psiquiatra da Universidade da Pensilvânia e do Centro Médico para Veteranos de Guerra, na Filadélfia.
— O excesso causa redução do tempo de resposta do pensamento e da capacidade cognitiva à medida que o paciente envelhece — esclarece.
Já muito associado a doenças hepáticas, o álcool também agrava doenças cardiovasculares e renais, se você bebe há muitos anos, além de causar um aumento na incidência de certos tipos de câncer, o psiquiatra adverte. Segundo ele, beber contribui para quedas, uma das principais causas de lesões à medida que as pessoas envelhecem, e perturba o sono.
Os idosos também tomam muitos medicamentos prescritos e o álcool interage com muitos deles. Essas interações são comuns com analgésicos e soníferos, como os benzodiazepínicos, às vezes causando sedação excessiva. Em outros casos, o álcool pode reduzir a eficácia de um medicamento.
Oslin aponta que, embora muitos frascos de medicamentos tenham rótulos que alertam contra o uso desses medicamentos com álcool, os pacientes tendem a ignorar isso, explicando que tomam os comprimidos de manhã e não bebem até a noite.
— Esses medicamentos ficam no seu sistema o dia todo, então, quando você bebe, ainda há essa interação — argumenta o especialista.
Caminhos para a solução
Uma proposta para combater o uso indevido de álcool entre os idosos é aumentar o imposto federal sobre o álcool, pela primeira vez em décadas.
— O consumo de álcool é sensível ao preço e é bastante barato neste momento em relação à renda — ressalta Humphreys.
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Resistir ao lobby da indústria e encarecer o álcool, tal como impostos mais elevados tornaram os cigarros mais caros, poderia reduzir o consumo.
Os tratamentos para o uso excessivo de álcool, incluindo psicoterapia e medicamentos, não são menos eficazes para pacientes mais velhos, esclarece Oslin.
— Na verdade, a idade pode garantir uma resposta positiva. Além disso, o tratamento não significa necessariamente que você tenha que se abster. Trabalhamos com as pessoas para moderar o consumo de álcool — argumenta.
Mas a lei federal de 2008, que exige que as seguradoras de saúde proporcionem paridade – ou seja, a mesma cobertura médica é oferecida para curar problemas físicos e tratar da saúde mental– não se aplica ao Medicare, o plano de saúde oferecido pelo governo dos EUA a pacientes com mais de 65 anos. Vários grupos políticos e de defesa dos direitos de idosos estão trabalhando para eliminar tais disparidades.
Dean Nordman nunca procurou tratamento para o seu alcoolismo, mas após a cirurgia de emergência, os seus filhos o transferiram para um lar de idosos, onde os antidepressivos e a falta de acesso ao álcool melhoraram o seu humor e a sua sociabilidade. Ele morreu no asilo, em 2017.
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Doug Nordman, a quem seu pai apresentou a cerveja aos 13 anos, bebia muito e chegava ao ponto do desmaio quando era estudante universitário. Depois dessa fase, passou a beber socialmente.
Mas ao ver seu pai recusar ajuda, “percebi que isso era ridículo”, ele relembra. O álcool poderia agravar a progressão do declínio cognitivo e ele tinha histórico familiar. Ele continua sóbrio desde aquele telefonema, há 13 anos.
(Com informações de O GLOBO)