Márcia Lage
50emais
Pode parecer que a menopausa não seja assunto para 50+, idade em que o livramento já ocorreu para muitas mulheres. O tema, porém, continua ainda meio tabu, talvez pelos desatinos que provoca.
Estava fazendo as unhas no salão na sexta-feira e a manicure trabalhava com um ventilador debaixo das pernas, um nas costas e outro na frente. Perguntei se o esmalte não ia dar bolinhas e ela me fuzilou com os olhos. “É menopausa, né? Isso é uma desgraça na vida da mulher. Pior que o Apocalipse”, brinquei.
Começamos a trocar informações sobre o que considero o pior momento de nossas vidas e a aconselhei a começar logo a Terapia de Reposição Hormonal (TRH) para não surtar de vez. Infelizmente, o ginecologista dela não aconselha o tratamento, por causa de câncer de mama na família. Ela vai ter que passar pelo purgatório na tora mesmo. E sai de baixo quem estiver por perto.
Um dos sintomas é a irritação. Chega a ser cômico. Ela está a ponto de subir nas árvores da cidade e esganar uma a uma as maritacas, que fazem o maior estardalhaço de manhã e à tardinha.
Também está indignada com os sapos, que nunca havia escutado antes. “Não aguento mais a barulhada que eles fazem. O sapo-martelo retumba na minha cabeça”, ela diz, ameaçando exterminá-los com cloro.
As mais jovens do salão de beleza não entendem o que ela sente, vivendo ainda as agruras da menstruação, gravidez, parto. As mais velhas sorriem. “Vocês não sabem de nada, inocentes. Há muito ainda por vir”, eu digo.
Ela pergunta como foi comigo e eu respondo que até hoje, passados quase 30 anos da tragédia, ainda estou tonta. Que a menopausa é como um atropelamento grave. Primeiro você se quebra toda, entra em coma, repara os ossos partidos e fica com sequelas para sempre.
Entre elas, a memória fraca, a falta de foco, a imprevisibilidade do humor. Um dia você acorda animada e trabalhadeira. No outro, letárgica, sem vontade de fazer nada.
Contei a história da minha mãe e suas oito filhas. E do desconforto do meu pai no meio daquele mulherio que, primeiro, menstruou coletivamente. Metade da compra do mês era de absorventes.
Apenas dezessete anos separavam minha mãe de mim e eu de minha irmã caçula. Menstruamos por muitos anos juntas, e meu pai aliviava nossa TPM descendo o cacete em todo mundo. Era uma casa de loucas nas luas cheias, cólicas, gritos, choros, espasmos, bater de portas, lixeiras entupidas de “Modess”.
A menopausa também chegou para nós meio coletivamente. Nossa mãe não serviu de exemplo, pois passou pela fase sem perceber. Mas transformou-se num capeta, com o mal humor dos infernos. Tinha crises de raiva, chorava por qualquer coisa, brigava com vizinhos, tomou antipatia do meu pai.
Estava com 42 anos, a menstruação foi rareando, depois parou. Uns meses depois, voltou como uma hemorragia e foi embora para sempre. Ficou tão feliz com a libertação que nem prestou atenção na primeira neta, nascida em meio à guerra que travava com seus hormônios e com o mundo.
Nós, as filhas, passamos pelos mesmos perrengues, porém com mais assistência médica e troca de informações entre nós. Na casa das oito mulheres, o climatério foi uma avalanche.
Pegou, primeiro, minha quarta irmã, que acabara de fazer 35 anos. Até a contagem dos hormônios provar que o que ela sofria não era marasmo nem depressão, mas uma falência precoce dos ovários, o mundo dela tinha desabado em choro, insônia, insatisfação, irritabilidade, tristeza.
A terapia de reposição hormonal acabava de ser lançada, e ela fez uso, estabilizando-se um pouco. O ciclo de aflições, no entanto, tem começo, meio e fim. Pode-se aliviar os sintomas, mas ele dura uns dez anos, com ou sem reposição hormonal.
Eu e minhas duas irmãs abaixo de mim entramos no climatério quase que simultaneamente. Aos 45, 44 e 43 anos. Como já tínhamos presenciado o suplício da mais nova, o diagnóstico foi mais cedo e a TRH também. Usamos os tratamentos alternativos que surgiam – sucos verdes, castanhas, lecitina de soja, chá de amora.
Nada, no entanto, conseguia impedir as ondas de calor que surgiam de repente, de dia e de noite. Durante o dia, dava para levar, com um ventilador e um ar condicionado na temperatura mínima, gelando o ambiente de trabalho dos companheiros, que não tinham nada a ver com o problema. Era briga o tempo todo com o termostato e com os colegas.
À noite, os calores eram uma tortura. A gente punha a coberta e acordava sobressaltada com um fogo queimando alguma parte do corpo. Ou era o peito, ou a cabeça, ou o rosto, ou as pernas. Tirava a coberta, tremia de frio. Punha a coberta, derretia de suor.
De manhã, olheiras, mal humor, vontade de matar quem atravessasse o nosso caminho. Dura uns cinco anos o enlouquecimento físico e mental, e muitas mulheres ficam para sempre hipocondríacas, dependentes de antidepressivos, um pouco lesadas, esquecidas, traumatizadas mesmo.
Sem dúvida alguma, a menopausa é o pior rito de passagem que enfrentamos. Parece-se em muito com a adolescência, mas essa nos leva invariavelmente a uma fase mais bonita. A pele fica melhor, os cabelos também, o corpo se define, você acorda um dia, lá pelos 17/18 anos, pronta para fazer o vestibular, abraçar a vida, seguir em frente. Segura, confiante.
Além de durar mais (tenho a impressão que nunca acaba, de fato) a menopausa é uma crise inversa: enfeia, desequilibra, engorda, envelhece. Depois dela, a luta é renhida. Todo esforço tem que ser maior, para resultados cada vez menores.
Por isso o envelhecimento passa a ser um alivio. Com ele chega a calma, a paciência, a sabedoria e a renúncia que a morte dos hormônios parece prenunciar. É como o bem-estar pós-menstruação.
A tal TPM é tão ruim que, depois dos cinco dias de sangramento, o que a gente sente é uma espécie de gratidão pelo restabelecimento da normalidade. Se é que mulher, com toda esses terremotos hormonais vida a fora, pode um dia se auto declarar normal. Ou completamente sã.
As maritacas e os sapos que se protejam!
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