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A jornalista e escritora Martha Medeiros nasceu em Porto Alegre. Foi lá na capital gaúcha, em relativa segurança, que ela escreveu esta crônica, claro, profundamente impactada pelo tamanho da destruição provocada pelas enchentes, que há duas semanas asolam o Rio Grande do Sul.
De acordo com os últimos números oficiais, já são 149 mortos e 112 pessoas continuam desaparecidos. Quase a totalidade das cidades gaúchas foi afetada pela tragédia.
“O que evita (tragédia) é prevenção, realizada pelo governo, em escala ampla, e por cada cidadão, em atitude individual” – escreve Martha, completando:
“Menos plástico, menos lixo nos mares, menos árvores cortadas, menos carros nas ruas: o manual de boas maneiras já é conhecido por todos.”
Leia:
No instante em que escrevo esta crônica, volta a chover. Estou no décimo andar de um prédio em Porto Alegre, em um bairro afastado do lago Guaíba, que a gente chama de rio, e me sinto protegida, parece que nada poderá atingir minha família, a não ser o desabastecimento de água e luz, que não se compara ao que tantas outras famílias perderam.
Ainda assim, a segurança é tênue, a consciência dessa tragédia nos encharca também, nós que assistimos o drama pela tevê e redes sociais. A nós, cabe esta lavagem a seco.
Parece tão insano. Trata-se de água, nosso bem mais necessário, fecundo, valioso, água que é sinônimo de vida.
E, no entanto, ela se avoluma e invade ruas, entra pelas frestas das portas e janelas, se instala sobre o tapete da sala, encobre camas de casal, se esconde dentro dos armários, invade lojas e campos de futebol, atinge os telhados, arranca árvores do lugar, não tem piedade dos hospitais nem das livrarias, arrasta com ela os planos dos recém-casados, os berços de quem acabou de nascer, cães e gatos que não sabem para onde fugir.
Devasta o passado, que foi nosso tempo de construção, e dá um caldo no futuro, que seria o tempo do usufruto. Caudalosa, nos induz a vencer a incredulidade e a desesperança, mas é um duelo injusto: por mais fortes e unidos que estejamos, no fundo da alma sabemos que não é um caso isolado, já aconteceu antes, acontecerá de novo.
A chuva não decide matar. Não resolve cair por quatro dias inteiros sobre a mesma cidade, não escolhe aquela encosta para desmoronar, aquela ponte para destruir. A chuva não pensa. Pensar é tarefa nossa.
A novidade dos desastres climáticos está em sua recorrência. Trocou-se o “de 10 em 10 anos” para o “a cada três meses”. Setembro, depois novembro, agora em maio. Essa foi a sequência recente de alagamentos no Rio Grande do Sul.
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Cada Estado tem seu próprio calendário de calamidades previstas pela meteorologia, hoje monitorada com mais precisão, só que precisão não evita o dano. O que evita é prevenção, realizada pelo governo, em escala ampla, e por cada cidadão, em atitude individual.
Menos plástico, menos lixo nos mares, menos árvores cortadas, menos carros nas ruas: o manual de boas maneiras já é conhecido por todos, mas enquanto a ordem não vem de cima, continua tudo igual.
Negacionismo e acomodação só nos atrasam. A natureza está reagindo à nossa insensatez, não há mais tempo a perder. Cobremos medidas de quem tem a caneta na mão, a verba no cofre e o nosso voto – é ano de eleição. E façamos a parte que nos toca, mesmo que a ordem esteja demorando para vir de quem está hierarquicamente acima de nós, os donos do poder público.
Doe o que puder ao RS. Mesmo que seja o tempo de uma prece
A ordem, na verdade, está vindo de alturas bem maiores. Vejo nuvens carregadas no horizonte.