50emais
Zezé Motta é outra das nossas grandes artistas que entra na lista dos que têm o privilégio da longevidade ativa. Aos 80 anos, ela é dona de uma agenda cheíssima de compromissos no cinema, na TV e no teatro, incluindo o show que faz pelo Brasil, Coração Vagabundo – Zezé Canta Caetano, no qual canta mais de 20 músicas do baiano.
“Eu tenho muitos motivos na minha trajetória para me orgulhar, mas um dos mais importantes hoje é estar em cena com essa idade”, conta. “Eu não paro! É uma alegria estar na ativa”, celebra.
Com 54 anos de carreira, ela é capa da revista Vogue. E só neste ano de 2024, está em três filmes: Por um Fio, baseado no livro do Dr. Drauzio Varella, Se Eu Tô Aqui é Por Mistério, novo curta de Clari Ribeiro e estreia na cinebiografia Mauricio de Sousa – O Realizador de Sonhos.
Zezé Motta trabalha mesmo sem parar. E é por isso que, quando perguntada quais são os seus desejos para os próximos anos, ela responde de pronto: “Saúde, férias e um grande amor!”
Leia a entrevista que a artista deu a Paula Jacob, da revista Vogue:
É com um sorriso solto e uma presença indescritível que Zezé Motta conversa comigo no camarim do estúdio onde fotografamos as imagens e a capa que compõem este especial de cultura da Vogue Brasil. Sua voz ressoa pelos cantos à medida que a conversa avança, sempre com um brilho especial nos olhos quando fala sobre sua frutífera carreira. Com 80 anos recém completados, sendo 54 de carreira, a multiartista (ou “cantriz”, como gosta de se autodenominar) está envolvida em inúmeras produções para o cinema, TV e streaming.
Só em 2024, ela gravou o filme Por um Fio, baseado no livro do Dr. Drauzio Varella com direção de David Schurmann, está em Se Eu Tô Aqui é Por Mistério, novo curta de Clari Ribeiro no qual vive uma bruxa futurista e estreia na cinebiografia Mauricio de Sousa – O Realizador de Sonhos, de Pedro Vasconcellos.
Também gravou a versão em audiobook de Torto Arado (Todavia), livro premiado de Itamar Vieira Junior, tem rodado o Brasil com a turnê Coração Vagabundo – Zezé Canta Caetano, interpretando 22 músicas do cantor, e segue forte com campanhas publicitárias para diversas marcas.”
“Eu tenho muitos motivos na minha trajetória para me orgulhar, mas um dos mais importantes hoje é estar em cena com essa idade”, conta. “Eu não paro! É uma alegria estar na ativa”, celebra.
De fato, uma alegria não só para ela, mas para o público, que pode entrar em contato com tantas facetas desta artista que é, sem dúvidas, uma das maiores figuras da cultura nacional. Sua contribuição, inclusive, foi devidamente retratada em Tributo – Zezé Motta, disponível na Globoplay.
A produção documental, que estreou em maio, também conta com a participação de outros artistas que reconhecem o protagonismo de Zezé nas artes cênicas, na música e no movimento negro brasileiro.
“Eu fico muito feliz de saber que sirvo de referência. Esses dias, conversando com Preta Gil, ela me agradeceu por a ter inspirado. ‘Você me fez ver que eu também podia.’ Sabe, nem tudo foram flores na minha caminhada, então quando escuto uma coisa dessa, penso: a luta valeu a pena.”
É ao lado de Preta, aliás, que Zezé retorna com a quarta edição do Especial Mulher Negra, exibido pelo Canal E! no Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha (25/7).
Com elas, Aline Wirley e Sheron Menezzes dividem o bate-papo sobre maternidade, autoestima, etarismo e sonhos.
Outro grande projeto deste currículo que só multiplica feitos, com estreia prevista para setembro, é o filme A Carta de Esperança Garcia, do cineasta Douglas Machado.
O documentário dramatizado conta a história de Esperança Garcia, mulher negra escravizada que denunciou, por meio de uma carta, as violências que ela, outras mulheres e crianças enfrentavam na fazenda dos Algodões. O documento foi reconhecido pela OAB, que a deu o título de primeira advogada do Piauí. Com vocês, Zezé Motta:
Vogue: Quais personagens você guarda no seu coração?
Zezé Motta: Xica da Silva não vale, hein? (risos) Tenho um xodó por Dandara, do filme Quilombo, porque era uma época em que eu só fazia determinados tipos de papéis e, de repente, eu era uma guerreira, uma mulher forte, que não sorria. Foi uma experiência bem bacana. Na televisão, amei ter feito Corpo a Corpo. A Sônia, minha personagem, era uma paisagista e fazia par com Marcos Paulo, o que causou muita polêmica na época.
Leia também: Zezé Motta, 79: Faço ginástica, caminho, me cuido
ZM: Estou adorando, porque uma galera mais jovem que não viu esse meu trabalho, do qual gostei tanto de fazer, vai poder curtir. E tenho quase certeza que a reação de hoje não será a mesma da época, acho que as coisas mudaram um pouco nesse sentido. Não vou dizer que não existe mais racismo no Brasil, isso leva séculos para se resolver, mas sinto que o público vai assistir com outros olhos.
Vogue: Quais são as intersecções entre a Zezé cantora e a Zezé atriz?
ZM: As pessoas às vezes me perguntam se eu sinto falta do teatro, mas não tenho essa sensação porque acabo levando muito disso para a música. A atriz está presente quando estou no palco cantando, me imagino diferentes mulheres para interpretar as letras, e elas me permitem isso. É bom essa coisa de ser “cantriz”, a presença de palco muda.
Vogue: No curta-metragem Deixa, você faz Carmem, uma mulher que se vê entre um relacionamento amoroso e outro que a coloca num lugar de submissão. O que te tocou nesse roteiro para topar fazer o projeto?
ZM: Eu gosto muito de personagens que não têm a função só de lazer, entretenimento, mas aqueles que mandam recados fortes, como Carmem. São aqueles personagens que fazem a audiência refletir, e acho isso bem legal.
Vogue: O cinema tem olhado cada vez mais para as mulheres, na frente e atrás das câmeras. Como você enxerga esses avanços, aqui no Brasil e lá fora?
ZM: Sábado mesmo estive em uma filmagem e comentei com a diretora que eu fico emocionada de ver que finalmente as mulheres estão tomando espaço no audiovisual, que, por tanto tempo, foi totalmente dominado por homens. Tenho prestado atenção nisso, nas mulheres não só na direção, mas também na câmera, na produção… Vou estrear no fim do mês com o programa Mulher Negra, que é um projeto pensado por mulheres e com uma equipe 90% feminina – de propósito.
ZM: Ele foi pensado durante a pandemia de Covid-19, junto com o meu empresário, Vinicius [Belo], como uma forma de celebrar o Dia Internacional da Mulher Negra, Latinoamericana e Caribenha. Começou com uma live, uma das primeiras que eu fiz na época, e, desde então, fazemos edições especiais a cada ano, com temáticas diferentes. Falamos, por exemplo, sobre a mulher negra ganhar menos no mercado de trabalho. E para 2024, pensei em trazer o assunto do etarismo, por conta dos meus 80 anos, e a Preta Gil, uma das convidadas, faz 50. Foi bem emocionante, porque nos conhecemos desde que a Preta era criança.
Leia também: Nelson Motta – A dor que vem com o envelhecimento
A cada edição, também falamos sobre um projeto de cunho social. Nesta, damos destaque para o Surfistas Negras, idealizado pela minha sobrinha [Érica Prado]. Inspirada na minha iniciativa do Centro de Informação e Documentação do Artista Negro, ela, que é surfista, criou o movimento porque sempre que pensamos no surf, seja na TV, no cinema, na publicidade, vemos pessoas brancas e loiras.
Vogue: E o CIDAN completa 40 anos em 2024 também, né? Sendo uma figura importante no movimento negro brasileiro, como você enxerga o ativismo daquela época e o de hoje?
ZM: Nos anos 1980, era uma coisa nova, fazíamos encontros periódicos, quase semanais, para discutir alguma questão e articular um discurso que fosse coerente para todos, para mantermos o movimento alinhado. Hoje em dia, como dizia nosso saudoso Milton Gonçalves, somos negros em movimento. Quer dizer, cada um dentro das oportunidades que tem, do seu espaço na mídia, fala sobre isso. Deixou de ser um discurso e virou algo mais prático, para colocar em pauta no dia a dia.
Vogue: Foi nessa época que você conheceu Lélia Gonzalez?
ZM: Sim. Comecei como aluna, depois virei amiga, irmã, comadre (risos). Foi um privilégio ter convivido com ela, que faz muita falta – não só para mim, mas para o Brasil também. E tudo começou com um anúncio no jornal, sinalizando que ela iria ministrar um curso de cultura negra. Na época, estava precisando dar uma esquentada no meu discurso sobre racismo e discriminação. Já era uma preocupação grande para mim, mas estava no auge de Xica da Silva, e a demanda de entrevistas era enorme. Senti que era hora, e me matriculei.Vogue: Acho interessante também como você aborda questões de desejo e prazer de maneira aberta e despretensiosa. Não temos o costume, enquanto sociedade, de ver uma mulher com 80 anos tocar nesses assuntos. Como você se sente trazendo essas questões à tona?ZM: Estive refletindo sobre isso. Primeiro, sinto que é bom também para que outras mulheres da minha idade, ou próximas a ela, fiquem atentas. Eu não estou morta. O prazer é uma questão de saúde física e mental. Não só o físico-sexual, tenho muito prazer no meu trabalho, em realizar projetos, é uma questão de amor próprio, de gostar da vida. Eu me cuido, faço exercícios com um personal – que marco três vezes na semana para conseguir duas, por conta da agenda (risos). Tenho prazer em comer bem, em prestar atenção na minha alimentação. Adoro caminhar, me movimentar. Adoro receber as pessoas em casa, deixar a mesa cheia. Acho a vida um barato!
Leia também: Quem é Adélia Prado, maior poetisa viva do Brasil
Vogue: Como você lida com a passagem do tempo?
ZM: Sou muito tranquila em relação a isso, porque o tempo passa e vamos mudando também. Não tenho o menor saudosismo do meu corpo de quando tinha 30 anos. Faço exercícios e como bem para ficar saudável, sem essa pretensão de ser magra. Eu sou feliz com o corpo que tenho.
Vogue: E quais são os seus desejos para os próximos anos?
ZM: Saúde, férias e um grande amor!