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Diário do Medo – ÚLTIMA PARTE

Um relato dramático, que termina com Dolores recobrando sua saúde mental. Foto: Reprodução/Internet

Márcia Lage
50emais

Houve a morte da mãe das Dolores no meio da peleja com a paciente que não podia mais morar sozinha.

Mãe é um bicho cheio de instintos e conhece os filhos mais do que os psicólogos e psiquiatras que os tratam, depois que viram adultos e ganham o mundo.

O desejo de todo filho é não se despegar da mãe. A missão de toda mãe é fazer com que eles se desapeguem. Mas esticando ao máximo os braços, apurando todos os sentidos para trazê-los de volta, se o destino os maltratar.

Quando a filha esteve hospitalizada, a mãe ligava todo dia para vê-la e ficava preocupada.

“Quando você receber alta, vou mandar seu irmão te buscar de carro, pra você se recuperar aqui comigo”, dizia.

Despedia-se sempre com palavras de conforto: “Deus te abençõe, vou rezar pra você se recuperar logo.” E rezava mesmo.

A única coisa que a mãe não deixou de fazer desde que a velhice minou gradativamente suas forças foi parar de rezar.

Parou de ir à missa, mesmo de carro. Deixou de sair para o terço com o grupo de orações.

Mas uma vez por mês o recebia em casa, com a voz fraquinha nos mistérios, as amigas tomando a frente no debulhar das contas, nos infindáveis padres nossos, ave marías, “creindeuspai”, améns e etc.

A mãe logo se cansava de tudo. Mas reconhecia as pessoas, comia sozinha (cada vez menos e sem apetite), tomava banho “dia sim, dia não e olhe lá” e ficava na cama se deixando secar.

Era um grande esforço para ela. Depois do banho, pegava um terço e rezava, antes de cair num sono pesado.
Quando a filha “que fez uma arte” foi ficar com ela, carregada pela irmã que se responsabilizou pelos seus cuidados, a angústia da mãe se desfez.

Ela se alegrou com o milagre da sobrevivência, a cura gradativa das sequelas, o carinho que a convalescente estava recebendo de todos.

Deve ter achado que podia partir sossegada. Morreu dormindo, como queria.

E, com sua morte, arrancou suavemente os dez cordões umbilicais que mantinham seus filhos atrelados a ela, brigando por atenção, carinho, afeto.

Viram-se, já velhos, repentinamente órfãos. Não havia mais razão para manifestações de carência nem disputa por espaço na grande família descomposta.

A Dolores que optou por morar com a mãe e se assenhorou da casa materna convidou a Dolores convalescente para morar com ela.

Com a morte da mãe e as soluções encontradas pela família, a Dolores que achava estar ficando demente recuperou a sanidade.

E assim termina a primeira temporada da história de Dolores e de seus irmãos que, com suas fragilidades, vão envelhecendo, cada um à sua maneira.

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