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Sua reza era outra

Nossa maior roqueira morreu no dia 8 de maio, durante tratamento de um câncer no pulmão esquerdo. Foto: Reprodução/Internet

Márcia Lage
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– “Que tal nós dois, numa banheira de espuma, el corpo caliente, num dolce farniente, sem culpa nenhuma”.

Ah, Rita Lee. Ela trouxe para a música brasileira a sexualidade que faltava no romantismo do Iê-Iê-Iê, na elegância da Bossa Nova, nos protestos do Tropicalismo, na agressividade do Rock.

Inspirou mulheres a liberar sua libido, a não ficar esperando iniciativas masculinas para realizar seus desejos e fantasias.

“Meu bem você me dá, água na boca, vestindo fantasias, tirando a roupa…nada melhor do que não fazer nada, só pra deitar e rolar com você”.

Quem não se excitou cantando ou escutando isso ao pé do ouvido, nas discotecas dos anos 70/80?

Os tempos eram muito mais vanguardistas, sem dúvida alguma, mais cultos, deliciosamente sexy.
Tudo ali, olho no olho, boca na boca, no calor da dança, dos corpos suados, da cerveja gelada, nem vinho tinha ainda.

– ” Baila, baila, baila comigo/ como se baila na tribo”, provocava, mandando recado para os pais caretas, encorajando os jovens a não se submeterem às velhas regras:

“Papai me empresta o carro/aqui em casa é impossível namorar/então qual é a sua? /Eu só quero um sarro/ Meia hora no seu carro com meu bem!”

Comandou ovelhas negras (hoje vão dizer que é preconceito falar isso) para o lado contrário da manada, para a contramão do pensamento tosco, do comportamento coletivo sem reflexão, da religiosidade repressora.

Sua reza era outra:

– ” Deus me proteja da sua inveja; Deus me defenda da sua macumba; Deus me salve da sua praga; Deus me ajude da sua raiva; Deus me perdoe por querer; que Deus me livre e guarde de você”.
As letras mais irreverentes num rock dançante, sensual, contagiante.

As roupas extravagantes, os cabelos vermelhos, a imagem de uma mulher livre, absolutamente despreocupada com a opinião alheia.

Fez o que quis. Do jeito que quis. Sem esperar muito da critica e da fama.

Sua melhor traduçâo está na letra de Pagu: ” Eu sou pau pra toda obra/ Deus dá asas à minha cobra/ Minha força não é bruta/ Não sou freira nem sou puta/

Rita Lee exerceu um feminismo bem humorado, enfrentou o machismo com ironia, sem precisar de extremos para se firmar na cena musical brasileira.

Nem na vida pessoal, pouco comportada. “Se por acaso eu morrer do coração/ É sinal que amei demais/ Mas enquanto estou viva e cheia de graça/ Talvez ainda faça um monte de gente feliz”.

E Fez! Fez demais!

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