Conheci Alexandre Kalache nos anos 90, em Londres, onde ambos morávamos. Formado em Epidemiologia na respeitada Universidade de Oxford, na Inglaterra, ele já era um especialista conhecido na área do envelhecimento humano. Depois, requisitado pela Organização Mundial da Saúde, órgão da ONU, mudou-se para Genebra, na Suíça. Muitos anos mais tarde, já aposentado, retornou ao Rio de Janeiro e, aos 68 anos de vida, completados em outubro, está tão ativo quanto antes da aposentadoria. Encontrei esta ótima entrevista que ele concedeu ao jornal Zero Hora e decidi postá-la aqui.
Leia:
Um dos principais especialistas do mundo na área de envelhecimento populacional, PhD em Epidemiologia pela Universidade de Oxford, fundador da Unidade de Epidemiologia do Envelhecimento da Universidade de Londres e consultor sênior sobre envelhecimento global da The New York Academy of Medicine, o o geriatra carioca Alexandre Kalache defende que investir no exercício físico é o melhor remédio para prevenir problemas degenerativos cerebrais é a prova viva da teoria que defende: a de que os nascidos no pós-guerra estão vivendo na velhice a adolescência que não tiveram, fase que ele define como “gerontolescência”.Nesta entrevista para o caderno Vida, do Zero Hora, ele também dá a receita para um envelhecimento saudável.
Vida — As pessoas estão vivendo mais, e muitos continuam sem planejar o que farão na velhice. Quais os impactos disso?
Alexandre Kalache — A velhice não acontece de repente. Muitos acham que é nos 60 anos que tem que se preocupar. A velhice é um curso de vida, o resultado de tudo aquilo que já se viveu. Três coisas são importantes: cuidar da saúde, ou seja, comer bem, evitar hábitos nocivos e substâncias maléficas, cuidar dos fatores de risco das doenças crônicas e cardiovasculares e evitar uma vida sedentária. O segundo ponto é o financeiro. O ideal é tentar ter uma renda na velhice que possa manter qualidade de vida o mais próximo que estava acostumado na vida adulta. O terceiro ponto é o capital social. É na velhice que se tem mais perdas. É nessa época que a pessoa precisa se valer de amigos, da rede social que evite que você possa se deprimir. É a eles que você vai recorrer quando tiver problemas.
Vida — Como a tecnologia inclui os mais velhos, diante de toda a dificuldade de adaptação?
Kalache — É importante saber se adaptar. Antes, o que se aprendia na juventude servia para o resto da vida. Desde então, com a velocidade das mudanças da tecnologia, a gente precisa se adaptar. A sociedade ainda é muito focada no jovem e não dá oportunidade para que a pessoa possa adquirir novos conhecimentos.
Vida — Por que, no Ocidente, há tanta rejeição de admitir o envelhecimento e dificuldade para valorizar as pessoas de mais idade?
Kalache — Em parte tem o aspecto cultural. Mas diria que nenhuma sociedade está imune a isso. À medida que as sociedades vão se modernizando, até mesmo no Japão, se observa negligência e maus tratos ao idoso. Temos que estar atentos o tempo todo . O envelhecimento muito rápido aconteceu no Brasil e está acontecendo em vários locais do mundo. Eu tenho 67 anos, quando eu era garoto a sociedade respeitava os mais velhos. Mas eram menos idosos e havia mais mulheres em casa, à disposição para cuidar dos mais velhos. A questão do cuidado é uma questão de gênero, são as mulheres que cuidam. Também tem o fato de sermos uma cultura hedonista, valorizamos muito o prazer e cultuamos o belo. Temos que mudar essa mentalidade.
Vida – Qual o melhor lugar do mundo para envelhecer?
Kalache – O lugar melhor é perto dos seus amigos. Mas claro, há países como o Canadá, que investe bem e tem boas políticas públicas. Mas observe, não é uma questão de dinheiro. Lá gasta-se menos que do nos EUA. Portanto, não é apenas questão de ter recursos, e sim de saber usar bem esses recursos, oferecer um bom tratamento para toda a população, não apenas para quem tem dinheiro. A Austrália também tem boas políticas públicas de saúde que estão obtendo resultados bastante adequados.
Há uma diferença importante desses países para com o Brasil: eles primeiro enriqueceram e depois envelheceram. Já era desenvolvidos e foram envelhecendo. O Brasil vai dobrar a proporção dos atuais 12% de idosos para 24% ao longo dos próximos 17 anos. Ainda temos problemas que estão competindo pelos recursos. Quando a França foi envelhecendo, os problemas de ambiente, saúde pública e educação já estavam sanados. No Brasil, não. Temos que ser muito sábios na hora decidir as políticas, senão damos um tiro no pé.
Vida – Com o aumento da população idosa no Brasil, cresce também o mercado serviços voltados para este nicho. O que você tem observado de curioso por aí
Kalache – Vejo países que estão aportando mão de obra de países imigrantes. Se você quer ser bem tratado na velhice, não seja preconceituoso. Em geral, o branco não vai fazer esse serviço de cuidador que a mão de obra imigrante geralmente aceita. Outro ponto é o uso da tecnologia: vejo por aí serviços domésticos feitos por robôs e até cachorros eletrônicos. As duas tendências são muito presentes e têm coisas em comum: a perda da humanização. É triste saber que o cuidado não está mais ligado a laços efetivos.
Vida – Sobre o desenvolvimento neurológico, que atividades mais ajudam para manter o cérebro ativo?
Kalache – Se eu fosse escolher uma única intervenção seria a atividade física. Ela ajuda no desenvolvimento ósseo e muscular, cardiovascular, previne o diabetes e diminui o risco de doenças. Tudo isso sem falar no aspecto psicológico, que é o reforço da autoestima. Há cada vez mais evidências de que a atividade física também protege contra a demência senil e empurra para a frente o risco das pessoas perderem as faculdades mentais.
Vida – Se você pudesse dar uma dica para um jovem de 20 anos sobre como ele pode se preparar para a velhice, o que você diria?
Kalache – Aos 20 e poucos, tem-se o nível certo para projetar o futuro: emprego, saúde, intelectualidade ativa. O ideal é buscar aconselhamento para se proteger financeiramente. Pode se proteger por meio de seus estímulos de vida. Principalmente porque estamos passando por uma revolução no conceito do que é envelhecer. A gente teve uma geração nascida depois da guerra, entre os anos 45 e 60, que são os baby boomers. Essa geração saiu da infância para a vida adulta de forma abrupta. Aos 12 anos, as pessoas estavam batalhando. As mudanças no pós-guerra geraram a adolescência, que é fase de experimentar, ousar, virar a mesa. Essa mesma geração que foi protagonista na emancipação agora não se conforta em botar o pijama e ler o jornal. Estão experimentando a adolescência tardia, em uma nova fase chamada “gerontolescência”. Significa estar pelo mundo, ativo, trabalhando, criando uma nova construção do que é envelhecer. Me aposentei há cinco anos, e nunca estive tão ativo.