Maya Santana, 50emais
Universal e eterno. É assim que o jornalista e escritor Ruy Castro define o genial Tom Jobim neste artigo para a revista Brasileiros, a propósito dos 90 anos que o músico carioca faria nesta quarta-feira, 25 de janeiro. Tom morreu aos 67 anos, em consequência de um câncer na bexiga, em Nova York, no dia 8 de dezembro (mesma cidade e mesma data em que John Lennon havia sido assassinado, 14 anos antes) de 1994. Eu me lembro perfeitamente da data. Trabalhava na BBC, em Londres. Meu colega José Antônio Arantes fez um brilhante especial sobre Tom, ouvindo especialistas e músicos internacionais, que foi ao ar naquela noite. O desaparecimento repentino de Tom causou consternação no mundo inteiro.
Leia o artigo de Ruy Castro:
“Leonard Feather, o maior crítico de jazz norte-americano, certa vez decretou sobre Águas de Março: ‘Esta é, sem dúvida, uma das cem maiores melodias do século XX′. A sensibilidade que Jobim tinha é algo único. Coisa de Mozart e Erik Satie”. Em fevereiro de 2011, em entrevista à Brasileiros, o maestro Julio Medaglia, outro artista de importância capital para a música do País, enfatizou com o depoimento acima o legado universal deixado por Tom Jobim, que completaria 90 anos neste 25 de janeiro, data em que, desde 2010, também é celebrado o Dia Nacional da Bossa Nova.
Sofisticado, e dono de um rico repertório cultural, Tom, que nasceu Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, foi muito mais do que uma unanimidade entre os círculos restritos dos decanos da crítica de jazz mundial. A influência da obra deixada por ele norteou um sem-número de músicos e compositores populares espalhados no Brasil e ao redor do mundo. Influência que, na virada dos anos 1960 para a década de 1970, levou sindicatos de músicos dos Estados Unidos a delimitar cotas de brasileiros atuando naquele país, por conta da crescente demanda de instrumentistas que dominassem a síncope, indecifrável para a maioria dos gringos, da Bossa Nova.
Essa “Invasão Brasileira” teve início em 21 de novembro de 1962, quando ao lado de João Gilberto, do baterista Milton Banana, do contrabaixista Tião Neto, entre outros músicos, Tom subiu ao palco do lendário Carnegie Hall, em Nova York, armado de novos horizontes harmônicos e melódicos e o canto despojado de João.
Lançados os estatutos da Bossa, Tom e João tomaram o mundo de assalto dois anos depois, quando, enfim foi lançado o álbum Getz/Gilberto, que registraram no ano anterior, produzido pelo “maestro soberano” para a mítica Verve Records. Embalado pelo sucesso de Garota de Ipanema e Corcovado, na voz sublime e frágil de Astrud Gilberto (leia mais sobre a cantora), então mulher de João, o disco, que flagra a tensa parceria entre o saxofonista Stan Getz e o genial baiano, tornou-se um clássico e vendeu milhões.
Tamanha projeção levou Tom a lançar nos Estados Unidos obras-primas, como The Composer of Desafinado Plays (1963), Wave (1967), Stone Flower e Tide (ambos de 1970). O êxito de Getz/Gilberto foi também o estopim de uma grande frustração para o amigo João: ver Tom dividir um álbum com ninguém menos que Frank Sinatra, o LP Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim, lançado em 1967 pela Verve.
https://youtu.be/X1eEqCGPGS4
Embora seja um título de repertório brasileiríssimo e marque o encontro de dois gigantes de nossa música, Elis & Tom (1974), outro clássico da discografia do maestro carioca, de grande êxito popular, também foi registrado nos Estados Unidos, em Los Angeles, com direção artística e arranjos de Cesar Camargo Mariano.
Cabe aqui um adendo dos bastidores de Elis & Tom, narrado por Cesar em sua autobiografia (Solo – Memórias e Cesar Camargo Mariano, Editora Leya, 2012), que evidencia o perfeccionismo de Tom. Feliz por dividir um trabalho com o maestro, que tanto admirava, Cesar, no entanto, enfrentou dias difíceis. Sem rodeios, Tom confessou a ele que preferia entregar a direção do álbum ao maestro Claus Ogerman. Como o alemão não teria agenda disponível, Tom ainda tentou contatar Don Sebesky, conceituado produtor do selo CTI Records que, em 1970, trabalhou com ele em Stone Flower. Com a indisponibilidade de Sebesky, Tom, enfim, concordou que Cesar daria conta do recado, mas, segundo ele, o maestro telefonava a cada 20 minutos para saber a quantas andava o trabalho, praticando um inusitado monitoramento remoto, no conforto de sua banheira e na companhia de copiosas doses de uísque.
Ao longo dos anos 1980 e 1990, Tom alternou estadias entre seu apartamento em Nova York e o sítio Beira-Rio, na região serrana do Rio de Rio de Janeiro, espaço que foi devastado pelas enchentes de janeiro de 2011. A pequena estrada de terra batida que levava ao refúgio espiritual onde Tom compôs Águas de Março foi eternizada na bucólica Dindi.
Amante da natureza e obcecado por pássaros, a ponto de compor odes musicais e poemas a sabiás, matitas-perês e urubus, o maestro foi um apaixonado pela vida. Morreu aos 67 anos, vítima de um câncer de bexiga, em 8 de dezembro de 1994, ironicamente, exatos 14 anos depois da trágica morte de John Lennon, outro grande símbolo de humanismo e sensibilidade artística do século XX.
Em fevereiro de 2012, Tom Jobim foi homenageado na cerimônia do Grammy pelo conjunto de sua obra. Foi o primeiro brasileiro a conquistar tal honraria. Como Lennon, tornou-se universal e eterno.