Uma entrevista da antropóloga paulista Mirian Goldenberger, concedida a Nathalia Carapeços, da revista Donna, que vale a pena ler, pois nos diz muito da sociedade em que vivemos e, sobretudo, de nós mulheres brasileiras, do nosso quase pavor de encarar a passagem do tempo. Num país que ainda cultua tanto a juventude, é realmente mais difícil aceitar as inevitáveis marcas da passagem do tempo. “Meninas de menos de 20 anos já se mostram preocupadas em colocar botox, em fazer cirurgia plástica, com pânico de envelhecer. Isso se agrava quando você chega perto dos 40, porque é uma idade mítica. É como se começasse realmente o envelhecimento para a mulher,” diz a antropóloga, concluindo: ” Depois, melhora.”
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Como você avalia a cobrança que as mulheres sofrem com a passagem do tempo? Por que esse tema é encarado de forma tão diferente por homens e mulheres?
A grande diferença que percebo nas minhas pesquisas é que desde muito cedo as brasileiras têm pânico de envelhecer. É um pânico associado à aparência física. O medo delas é perder a juventude do corpo e do rosto, é o que eu chamo do corpo como capital, que é o corpo belo, jovem, magro e sensual. Isso acontece desde muito cedo, desde meninas de menos de 20 anos já preocupadas em colocar botox, em fazer cirurgia plástica, com pânico de envelhecer. Isso se agrava quando você chega perto dos 40, porque é uma idade mítica. É como se começasse realmente o envelhecimento para a mulher. Depois, melhora.
Observo que, depois dos 60, as mulheres ficam menos preocupadas com a aparência física e mais voltadas a cuidar de si, da saúde, da qualidade de vida, das amizades. Essa é a trajetória feminina.
Os homens não têm pânico de envelhecer, não se preocupam tanto com a aparência, não tem tantos limites com o envelhecimento e eles parecem que só se percebem envelhecendo quando há realmente algum impedimento concreto. Ou ficam com mais dificuldade para transar, ou é a aposentadoria ou uma doença mais grave. Fora isso, eles não falam tanto do pânico de envelhecer.
Vejo que os dois têm medo, só que o medo da mulher é mais evidente e mais associado à aparência. Acho que a cobrança não é nem das mulheres e nem dos homens, é cultural. Na nossa cultura, o corpo é um capital para as mulheres. Por isso que nós somos as que mais investem em cirurgia plástica, botox, preenchimentos, tintura para cabelo, remédio para emagrecer, moderador de apetite. Porque o valor da mulher brasileira está muito associado a esse corpo capital, belo, jovem, magro e sensual. É uma cultura que faz com que as mulheres precisem corresponder a esse modelo de corpo, e por isso elas sofrem por não conseguir, porque ninguém consegue. Em algum momento você vai envelhecer, engordar, vai ter marcas da velhice.
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No seu último livro e em outros artigos, você cita uma pesquisa comparativa entre as brasileiras e as alemãs. A que atribui as diferenças de perspectiva com relação à maturidade feminina?
Não é só o brasileiro, isso existe em outras culturas, como a americana. Lá eles também são muito preocupados com esse modelo de corpo. Mas no Brasil isso se torna mais gritante pelos números do consumo de tudo que tem a ver com o mercado do rejuvenescimento e da beleza. Proporcionalmente, nós somos muito mais obcecados com essa questão do que qualquer outro povo. Percebi isso mais claramente quando, em 2007, fui passar alguns meses na Alemanha para dar palestra e fazer pesquisa e vi que aos 40, 50, 60, 70 e 80 anos as alemãs não falavam de corpo, não falavam de medo de envelhecer, não falavam de nada dessas questões que as brasileiras muito jovens já se preocupam. Elas têm uma vida muito mais voltada ao cuidado com a saúde, a terem uma qualidade de vida boa, um trabalho, projetos, e investem nisso. Não investem tempo, energia, dinheiro com a aparência, como nós fazemos. Isso que me chamou a atenção. Por isso que comecei minha pesquisa exatamente nesse período. Eu pesquisava corpo, passei a pesquisar envelhecimento e percebi que lá isso não era um problema como é pra gente, desde muito cedo.
No Brasil, envelhecer é quase um crime?
Acho que hoje está mudando. Obviamente ainda existe aquelas e aqueles que policiam o envelhecimento feminino criando regras e obrigações, mas acho que cresce em número muito maior aquelas e aqueles que defendem uma liberdade de envelhecer em paz. Por isso que minhas pesquisas têm tanta repercussão, porque as mulheres estão exaustas dessa cobrança externa e interna. Elas também estão reagindo a isso e procurando caminhos para envelhecer com mais liberdade e felicidade.
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O medo de envelhecer está ligado à possibilidade de não se sentir mais desejada como mulher?
Não é isso que faz uma mulher se sentir desejável, atraente e interessante. Não é o corpo, mas quando ela pode ser ela mesma em qualquer fase da vida com o corpo que ela tiver e se sentir amada, reconhecida, valorizada e visível. Nem sempre são as mulheres mais jovens, mais bonitas, mais magras, mais sensuais que se sentem mais amadas e reconhecidas. Por isso que tenho um livro que se chama Por que os Homens Preferem as Mulheres Mais Velhas? (2017). Não que eles prefiram as mulheres mais velhas, mas as mulheres que podem ser elas mesmas e com toda a liberdade é que se sentem mais amadas e desejáveis, não as mais jovens. Tanto é que tem muita gente que leu meu livro e diz: “Quero envelhecer logo. Não quero esperar os 60 para ser uma mulher que pode ser ela mesma”.
Acho que cada vez mais mulheres e homens percebem isso, que o importante em um relacionamento, em uma vida, não é a juventude do corpo, mas tudo que você adquire, com maturidade, experiência, equilíbrio, sabedoria. E isso só vem com a idade.
As cirurgias plásticas se tornaram uma das principais opções para quem quer manter o corpo mais jovem. Você acredita que há uma pressão para as mulheres maduras buscarem procedimentos que rejuvenesçam?
Acho que a pressão existe desde muito cedo, não é só para as mulheres mais velhas, porque as mais novas também fazem cirurgia nos seios, fazem lipo, aplicam botox, desde muito, muito cedo. A pressão com relação a um determinado modelo de corpo atinge as mulheres de todas as idades, mas eu diria que as mais velhas têm mais discernimento e sabedoria para saber o que elas querem e não o que os outros querem delas. Porque tem toda uma indústria por trás dessa pressão, um mercado, não é uma pressão ingênua e não é positiva para as mulheres. Você pode ter pressão para fazer exercício, mas essa é uma pressão que você pode enxergar como positiva. Fazer exercício, ter amigos, ter uma vida com projetos. Isso é muito mais fundamental para o envelhecimento que qualquer outra coisa, como dinheiro, aparência do corpo. Essa pressão que quer enquadrar as mulheres em um modelo de corpo inatingível só provocou sofrimento, fracasso, infelicidade, e é disso que as mulheres querem se libertar, desse sentimento que é provocado por essa cultura do corpo capital.
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O ageismo (preconceito contra pessoas mais velhas) é um tema pouco discutido na sociedade?
Eu não uso ageismo, falo velhofobia, porque acho que todo mundo entende. O que eu chamo de velhofobia? Não é só o pânico de envelhecer que as mulheres, principalmente, têm, mas como as pressões e os preconceitos existentes com relação ao envelhecimento. Esse pânico de enxergar a velhice com a sua beleza, que é diferente, mas é uma beleza. O que eu digo nos meus artigos é que esse pânico não corresponde ao que vem na velhice. Porque se nós vamos viver até os 90, 100 anos, não tem sentido passar a maior parte de nossas vidas com pânico de envelhecer e tentando não envelhecer. Para muitas mulheres e também para os homens, a velhice pode ser a fase mais feliz e livre da vida. Então, acho que a única forma de combater a velhofobia é fazer com que as pessoas conheçam a realidade do envelhecimento que, para a maior parte dos brasileiros pode, sim, chegar a uma idade de 80, 90 e até 100 anos com qualidade de vida, com independência, com projetos, com alegria, com amizades, com amores. Sou uma militante contra a velhofobia nesse sentido de mostrar que a realidade do envelhecimento pode ser a melhor fase da vida de muita gente.
As mulheres precisam mudar a perspectiva sobre suas marcas de expressão para lidar com a maturidade sem tanta cobrança?
A questão é não ficar procurando essas marcas, porque você procurar marcas é você reduzir sua história. A sua história não está nas suas marcas, a sua história está no que você construiu, nos seus projetos, nas suas relações amorosas e de amizade. A sua história está na sua vida, no que você produziu, no que você ainda pode produzir. Esse negócio de ficar olhando muito as nossas marcas é reduzir as mulheres a coisas minúsculas. Nós somos muito mais plenas e amplas do que algumas pequenas marcas no nosso corpo. Tem que mudar o foco e encontrar a beleza não apenas em peles, cabelos e bundas perfeitas. Isso também pode ser bonito, mas existem outras formas de beleza que, para mim, são muito mais importantes e admiráveis do que simplesmente uma pele esticadinha, né? Ninguém convive com uma pele, as pessoas convivem com pessoas.
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Há vários exemplos de mulheres que sofrem com ataques nas redes sociais após postarem fotos ao natural, como Xuxa, Madonna, Claudia Raia, entre outras. Apesar de ser um lugar em que as pessoas expõem os preconceitos, as redes também podem servir como espaço para a resistência, por ser democrático?
Acho que as redes sociais não criam nada, elas reproduzem comportamentos que estão na sociedade de forma implícita ou explícita. Não provoca nem ódio, intolerância e preconceito, e nem aceitação, reconhecimento e valorização, ela reproduz o que acaba sendo a sociedade. Infelizmente, parece que tem mais eco social às críticas, intolerâncias e aos preconceitos. A rede tanto pode ir para um lado positivo como outro extremamente destrutivo. O que nós podemos fazer, principalmente as mulheres, é ter sempre uma atitude de elogios, reconhecimento e valorização das outras. O que mais me choca é ver mulheres de todas as idades condenando, criticando, tendo preconceitos contra comportamentos mais livres de mulheres, isso me choca muito. Gosto daquela ideia do “estamos juntas”. Não gosto muito da palavra sonoridade porque ninguém entende o que é, mas “estamos juntas” todo mundo entende o que é. Se é para estar juntas, é para ser de forma positiva, construtiva, libertadora, e não repressora, preconceituosa, intolerante, como eu vejo que muitas mulheres reproduzem na sua vida cotidiana e também na internet.
Você acredita que o mercado e a sociedade estão compreendendo a importância da representatividade da mulher madura em diferentes frentes? Vivemos um momento de mudança de mentalidade?
Finalmente as marcas, as propagandas, a mídia em geral, as novelas, os programas de televisão e a internet descobriram que essas pessoas de mais idade são pessoas muito ativas, produtivas, consumidoras, que focam o tempo nelas. Elas têm muito a dizer, muito a fazer ainda. Esse mercado foi descoberto recentemente. Quem mais consome livros, teatro, cinema, revista, jornal, quem é? Até televisão, e mesmo produtos no geral. Eles chegaram tarde, mas pelo menos descobriram que essas pessoas não são invisíveis, muito pelo contrário, serão cada vez mais visíveis, cada vez mais importantes na nossa sociedade.
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A cobrança que as mulheres maduras sofrem não é só pelo corpo jovem, mas por um comportamento padronizado. Há um discurso de liberdade que repercute, mas diverge dos comportamentos e valores vigentes?
A palavra que mais representa o momento que a gente vive é ambiguidade. É verdade que ainda existe uma cobrança enorme: não pode usar biquíni, não pode usar minissaia, não pode namorar cara mais novo, não pode dançar, não pode cantar, não pode dar beijo na boca. Isso continua e vai continuar. Mas existem tantas outras mulheres que estão se libertando de tudo isso, estão se tornando exemplos de comportamento, de felicidade, de liberdade, que as mulheres comuns acabam pensando “bem, peraí, não é tão ruim assim envelhecer e envelhecer do meu jeito, seja ele qual for”. Continua existindo a velhofobia, mas existe também a velhoalforria, que é a libertação que vem com a idade. Elas aprendem a dizer não, a ligar o botão do foda-se, a se libertar dos vampiros emocionais, fazer faxina existencial, de rir muito mais, inclusive delas mesmas, usar o tempo para cuidar de si. Isso é uma alforria, uma libertação tardia das mulheres. Os discursos e comportamentos mudam mais rapidamente do que os valores. Ainda existem pessoas reproduzindo aqueles valores mais negativos sobre a velhice. Mas os discursos e comportamentos estão mudando tão rapidamente, que esses valores também serão obrigados a mudar.
Como as mulheres podem lutar, na prática, pelo direito de envelhecer sem preconceitos? Como tornar a passagem do tempo mais leve?
Não acho que é leve, nada leve. Como diz a minha principal referência nesse estudo, que é a Simone de Beauvoir, parece muito mais fácil se acomodar nos preconceitos, nas visões mais tradicionais e nas prisões, do que ter a coragem de se libertar. Tem que ter coragem de se libertar. Mas é como ela disse, só existe uma saída para as mulheres: libertar a si mesmas e as outras das opressões, dos preconceitos, das submissões, de todas essas representações da mulher como um ser submisso, prisioneiras de modelos de corpos, de família, de casamento, de maternidade. Só existe uma saída para a mulher e a questão não é a felicidade, é a liberdade. Não diria que é leve, mas diria que é a única saída para você poder ser você mesma. É uma liberação na própria vida, uma forma de ser livre, de ser você mesma em todas as fases, em cada gesto do seu cotidiano. É isso que vai libertar você, e libertando você, ajudar a libertar outras mulheres.
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