“Não ouse roubar a minha solidão, se não fores capaz de me fazer real companhia…” – Nietzche
Marlene Damico Lamarco
50emais
A solidão tem sido evitada como se fosse uma doença, você chega em casa, liga a televisão e corta a comunicação com a família. Sai para jantar com amigos e nem fica com eles, porque o iPhone sempre traz um acontecimento imperdível e para ser “in” é preciso estar informado. Mas tem momentos em que você se permite “ser você mesmo”. Um encontro entre amigos antigos, uma curtição, assuntos inspiradores, que poderiam ser aprofundados se não fossem interrompidos entre uma foto para o face book e o atendimento de uma ligação urgente. E a foto vai para as redes sociais mostrando um encontro que nem sempre aconteceu.
Não sou contra essas maravilhosas invenções, ao contrário, mas há que se fazerem exceções. O iphone não pode ser o dono da nossa pessoa! Nem o WatsApp pode substituir o contato humano. Quando poderemos ficar juntos de verdade? Quem ousaria desligar o celular para curtir um momento de solidão ou de boa companhia? Parece que essas maquininhas incríveis estão dominando as relações e realmente fico em dúvida sobre quem está servindo a quem.
Se ficar com o outro já é difícil, imagina então ficar consigo mesmo. Por quê? Medo da própria companhia? Ou dos próprios fantasmas?
Pensa como você gosta de chegar em casa, colocar aquela roupa de mendigo, bem confortável, comer no sofá, ler os livros que adora, ouvir as músicas que tocam o seu coração e bem devagarzinho ir se acostumando com a sua benfazeja companhia. Este momento de solidão cura! Nele, você não precisa de máscaras, não representa nenhum papel e pode desfrutar da companhia do silêncio. E haverá a paz… abrir-se-á um espaço de presença interior, você sentindo o gosto de ser você mesmo.
Somente dessa forma poderemos refletir sobre o que acertamos, o que erramos, o que valorizamos ou estamos sentindo falta.. Precisamos urgentemente parar de nos distrair de nós mesmos, fugindo do verdadeiro encontro. Nossa alma pede passagem, pede uma profundidade de pensamentos e sentimentos que abra espaço para nos conhecermos de verdade e sentir a bem aventurança da própria espiritualidade.
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Não dá para ser espiritual nas salas de bate papo, não dá para refletir sobre como você desfrutou do tempo maravilhoso do seu dia, se a televisão estiver ligada. Aliás, é quando você se deita que aparece um bichinho que ataca e grita, não vai ligar a TV? E muitas vezes, no automático, você liga a TV e não se liga em você.
Na busca desenfreada do amor acabamos nos esquecendo de nos amar. E se não nos amamos, não podemos amar ninguém. Se não treinamos o nosso olhar para enxergar por dentro, não conseguimos nos conhecer. E se não nos conhecemos, como poderemos conhecer alguém?
Chega de distração exagerada, vamos criar meios para sair da “pista” na hora certa e criar atalhos para despertar para a própria vida e necessidades.
Temos uma criança que mora dentro de nós e ela está faminta de nossa presença, só ela tem a inocência necessária para encontrar caminhos de solidão que não são vazios, são caminhos de encontro. Seu olhar inocente conhece a verdade e conhece a felicidade pura e simples. Conhece porque a viveu intensamente na descoberta da vida, na descoberta das pequenas coisas, no encantamento do olhar, no pasmo essencial que sentiu quando a paixão de viver floresceu em seu coração. Conhece não de ouvir falar, conhece por ter vivido intensamente.
Desligue tudo e se ligue em você! Leve esta criaturinha para colher amoras ou pitangas. Ela conhece o mapa do seu tesouro!
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