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Eu acabo de completar 71 anos. E concordo com essa reflexão do jornalista e escritor Walcyr Carrasco sobre a chegada aos 70. No meu caso, não tenho do que queixar. Apesar da minha história já ter superado as sete décadas, o único remédio que tomo diariamente é uma cápsula de colágeno, receitado pelo ortopedista, que diagnosticou: a ligeira dor que começava a sentir no joelho direito é consequência do desgaste, resultado mesmo do avançar da idade. “Ainda prometo fazer regime todo aniversário, mas não cumpro, e, com esperança, chegarei aos 80 reclamando da barriga. Mas se eu for avaliar, as vantagens ganham” – afirma ele, no que acho que está absolutamente certo. Posso dizer, sem exagero, essa é a melhor fase da minha vida.
Leia o que diz Walcyr Carrasco:
Pois é. Nos próximos dias vou fazer 70 anos. Lembro de quando tinha 12 e me falaram de alguém de 30. “Que velho!” — comentei. Agora, encaro os 70 com alegria. Não é uma idade difícil como sempre imaginei. Continuo com a vida animada — por vezes, animadíssima. Muita coisa muda, é verdade. Viajo com uma coleção de remédios. Tem o da tireoide, os de pressão, os para ansiedade. Tem os “e se precisar?”. Aspirina, antialérgico, para enjoo, flora intestinal. Finalmente, os para tomar antes e depois de beber, vitamina C para prevenir gripe e todo arsenal de skincare. (Não para rejuvenescer, mas para não despencar de vez.) Tudo isso pesa, e pesa, e pesa. A boa notícia é que aos 70 ainda consigo carregar a mala. Ah, sim, ainda tenho de beber 3 litros de água por dia, maneirar nas feijoadas, evitar torresmos. Pior: chamo personal trainer só para fugir depois.
Tenho vontade de chorar quando não tem elevador, porque meu joelho sofre. Já anunciei que não pretendo conhecer as pirâmides simplesmente porque elas não têm escada rolante. Adoro entrar na frente no avião, pegar toda e qualquer fila para idosos. Ainda prometo fazer regime todo aniversário, mas não cumpro, e, com esperança, chegarei aos 80 reclamando da barriga. Mas se eu for avaliar, as vantagens ganham.
Tenho experiência, consigo passar por situações difíceis, não me abalo por qualquer coisa. Leio muito, vejo televisão e, principalmente, escrevo e escrevo. Sem a vontade frenética de pegar uma balada, de sair para aproveitar a vida. Já aproveitei muito. Também, à medida que envelhecia, tive uma surpresa. Há um número imenso de pessoas que sentem atração por gente mais velha. Verdade que os jovens estão nas passarelas, na tela da TV. Nós estamos na imaginação.
Um segredo para uma velhice feliz? Trabalhar. No meu caso, sempre gostei de escrever, e continuo escrevendo. Mas também é a hora de cultivar hobbies, cozinhar para os amigos, morar longe, viver como sempre sonhou. Pescar, pintar e até montar uma dupla caipira. Por que não?
Há um filme francês da minha juventude, A Velha Dama Indigna (La Vieille Dame Indigne), de René Allio, baseado em um conto de Bertolt Brecht. Nele, a personagem central, após uma vida casada com o mesmo homem, bem certinha, fica viúva. E resolve viver como sempre quis. Atira as convenções burguesas para o alto. No lugar da velhinha triste que os netos esperavam, surge uma mulher plena, com vontade de se divertir. Eu não posso me tomar como exemplo, porque nunca fui tão convencional. Mas, para quem está chegando aos 70, ver o filme é uma inspiração. (É fácil de achar na internet.)
Sempre me perguntam que conselho eu daria a mim mesmo jovenzinho. Respondo: “Seja teimoso”. Nunca me achei o mais talentoso de meus amigos que ambicionavam escrever. Meus primeiros textos eram horrorosos (tenho guardados, e nem quero ler). Mas fui o mais teimoso. Insisti e aprendi.
Garanto que eu serei mais teimoso que aos 20. Ainda há muita coisa boa para acontecer. Insista no que você sonha. O bom dos 70 é saber que a hora é agora.
Leia de Walcyr Carrasco:
Quem vai dizer o que é normal na velhice