Ana Maria Cavalcanti*
50emais
Como vivi muitos anos em Londres, sempre me perguntam como os ingleses são. Entre outra características, respondo com ênfase e convicção: são honestos. Explico com exemplos concretos.
Fui a Londres, mês passado, para passar 15 dias, matar as saudades da cidade e dos amigos.
Em meu primeiro dia de compras, saí com uma amiga que mora lá, Kiki, para ver a coleção de primavera/verão, em High St Kensigton, uma rua cheia de lojas bonitas. Entrei na Marks & Spencer.
A loja é super famosa, tem mais de 900 filiais no Reino Unido. A caracteristica da M&S – conhecida também pelas iniciais – é que vende artigos de boa qualidade por preços atraentes. Roupas, produtos de beleza, objetos para casa e comida.
Carregando várias sacolas de compras, fomos ao subsolo que tem uma ótima sessão de comida pronta.
Paguei as compras e fomos embora. Pegamos um taxi – daqueles pretos confortáveis – e fomos para casa. Ao chegar, na hora de pagar o taxista, eu não achava minha bolsa. “kiki, cadê a minha bolsa, cadê a minha bolsa? Reviramos tudo e nada.
Deixamos as sacolas de compras em casa e, em estado de agonia , voltamos no mesmo taxi para o M&S. Estávamos bem preocupadas, e não sem motivo. Na bolsa eu tinha meus dois passaportes, o brasileiro e o inglês, meus dois cartões de crédito, um do Brasil e o outro inglês e mais 400 libras, o equivalente a 2400 reais, que eu tinha acabado de retirar do banco.
O que eu iria fazer sem meus documentos? Nem queria pensar nas providências q teria q tomar. Kiki estava mais ansiosa q eu. Eu repetia, “olha, se o inglês continua inglês, vamos achar minha bolsa e com tudo dentro”.
Não deu outra. Chegando ao M&S , fui correndo falar com a caixa do supermercado que havia me atendido. Ela me apontou para um cantinho de “Achados e Perdidos. A primeira coisa que vi foi minha bolsa. E com tudo dentro. Ofereci 20 libras ( 120 reis) ao atendente, que se recusou a aceitar com determinação Quando vi que não ia aceitar mesmo, perguntei se ele tinha filhos. Respondeu que sim. “Então dê para eles”. Só aí aceitou.
Você pode achar que foi sorte ou que os anjos da guarda me ajudaram. Nada disso. Anos atrás eu já tinha vivido sufoco semelhante, com o mesmo desfecho.
Na época eu trabalhava na BBC, e fui fazer uma matéria sobre o Museu Guggenheim de Arte Moderna, em Bilbao, na Espanha, que tinha acabado de se inaugurado. Isso em 1977. Uma obra prima do famoso arquiteto Frank Gehry.
Convidei minha amiga Marcy Barcy, que morava em Londres e trabalhava como editora de imagens, na TV Globo , para vir comigo.
Na volta, fomos às compras e nos encantamos com as bolsas e sapatos de couro que a Espanha produz lindamente. Comprei duas bolsas, clássicas, uma marrom e outra preta, que tenho até hoje.
Voltamos para Londres. No meu primeiro dia de trabalho, usei a bolsa preta. Peguei o metrô e quando já estava quase chegando em Holborn, estação de metrô pertinho da BBC, me dei conta que tinha esquecido minha bolsa na plataforma de embarque. Sabia que tinha que voltar e procurar, mas antes fui a BBC avisar que me atrasaria.
Assim que entrei na redação, um dos colegas gritou: Ana, um senhor telefonou dizendo que encontrou sua bolsa na plataforma do metrô. Deixou endereço para você ir apanhar. Imagine que este senhor se deu ao trabalho de olhar meu nome no crachá da BBC, que estava na bolsa, e ligou para a sessão brasileira. No dia seguinte, fui pegar a bolsa e o inglês queria que eu abrisse e conferisse que estava tudo lá.
Ainda nessa última viagem que fiz a Londres, perdi minha bolsa mais duas vezes. Ou seja, três no total. Todas devolvidas.
Perder a bolsa tantas vezes, Freud explica? Ou é esquecimento puro e simples, principalmente agora com 77 anos, quando meus neurônios jã não são tão espertos como antes?
*Ana Maria Cavalcanti é jornalista e trabalhou durante anos na BBC, em Londres
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