Márcia Lage
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Entre os inúmeros choques de gestão que o Brasil precisa, um deles é no planejamento das cidades. Não dá mais para as Prefeituras fazerem vistas grossas para a expansão de seus municípios, permitindo construções em beiras de cursos d’água e cocorutos de morro.
Existem leis sobre isso no Brasil e o Conselho Nacional do Meio Ambiente é uma cartilha a ser seguida, rigorosamente. Não dá mais para o país perder tantas vidas todo verão e as Prefeituras e o Dnit ficarem correndo para reconstruir casas (nos mesmos lugares perigosos) e estradas mal planejadas, mal asfaltadas e mal conservadas.
É hora de investimentos sérios e pesados em habitação, urbanismo e meio-ambiente. É hora de trocar estradas por ferrovias, onde a geografia e a proteção ambiental não suportam mais cortes, desmatamentos e soterramento de cursos d’água para alargamento de estradas inviáveis.
O Brasil precisa se levar a sério. Levar a sério seu povo e investir em governança. É revoltante saber que lugares turísticos, exuberantes, como o litoral sul do Rio de janeiro e norte de São Paulo só sejam acessíveis por uma estrada que mais parece um autorama, estreita e cheia de curvas. Não há outro meio de visitar esses paraísos a não ser por estradas sinuosissimas, em carro próprio ou ônibus, que param de circular a cada temporal mais forte.
Quem vai para essas cidades corre o risco de morrer na estrada ou de ficar três, quatro dias sem água (que nem sempre é tratada) sem energia e sem internet, à mercê do calor e dos mosquitos, aumentando a produção de lixo e de esgoto, que segue sem tratamento para rios e mar. Como se ainda estivéssemos no século 18.
O mesmo ocorre com as políticas habitacionais. Prefeitura alguma investe em habitações populares, mas aprova os mais absurdos e atrasados projetos de bairros e condomínios, ganhando dinheiro com a especulação imobiliária e mandando para longe (sem estrada e sem transporte) a classe operária local.
Eles que morram afogados ou soterrados em seus casebres, que de vez em quando ainda são regularizados, para arrecadação de IPTU e nada mais.
Essas pessoas que pagam impostos vivem confinadas em barracos de taipa e zinco, sem varandas e sem janelas, onde não entra vento nem sol. Os filhos, muitos, não têm creche nem escola perto, nem parquinhos aonde ir. Não podem brincar na rua, porque não há ruas. Só lama e buraco ou uma tira de asfalto velho, sem calçadas e sem árvores ao redor.
O que existe nessas periferias – verdadeiros quilombos do século 21 – é abandono e desprezo, é crime contra a humanidade.
O Brasil precisa urgentemente de um choque de urbanização. Uma regulamentação federal que obrigue Estados e Municípios a investirem seriamente em políticas de habitação para pessoas que moram em locais de risco, que se aglomeram em construções inseguras, escuras. quentes, irrespiráveis.
Os bairros nessas condições têm que ser refeitos, as casas destruídas e reconstruídas em outros bairros completos, com água, esgoto, energia, Internet, coleta de lixo, parques, quadras de esporte, escolas.
Só assim se reduz a violência, que se alimenta do abandono e do desespero, da certeza de saber que onde habitam os que têm dinheiro tudo isso existe, inclusive, os melhores ônibus e as melhores ciclovias.
É injusto. Dar muito para quem tem e tão pouco para quem não tem. Morar com dignidade é um direito constitucional. As prefeituras têm que cuidar disso com seriedade e os governos estaduais e federal têm que ajudar na solução desse problema.
Arquitetos e urbanistas não faltam para apresentar soluções. São cerca de 286 mil atualmente, segundo o Conselho Nacional da categoria. E há 400 faculdades de arquitetura formando mais de16 mil a cada ano.
Falta vontade política e sobra negligência administrativa, o que resulta em catástrofes anuais evitáveis. O caso de São Sebastião, por exemplo, foi previsto e anunciado com dois dias de antecedência. Muitas das dezenas de vítimas poderiam ter sido salvas. E quem é que vai responder pelas mortes?
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