Elisa Santana
50emais
Sempre penso que riquezas são afetos. São pessoas que importam na vida da gente. Seja pelo que nos ensinaram, ensinam, pelo que representam, pelos sentimentos que provocam em nós ou, simplesmente, porque nos faz bem tê-las por perto. Meu tio Antônio, irmão da minha mãe, é uma destas pessoas.
Eu comecei a trabalhar aos 13 anos, no armazém do meu pai. Com meu primeiro ordenado, que tinha valor quase simbólico, corri a loja dele. Na época´, vendia tecidos. Ele prontamente abriu uma conta para que eu pudesse comprar panos para vestidos e pagasse à prestação. Ele confiou em mim e eu pagava direitinho. Acho que ali começou uma gratidão e admiração de uma menina adolescente, que ganhou crédito e acolhimento de um tio querido. Com o tempo, esse sentimento só cresceria.
Dos quatro filhos que minha avó teve, o único homem foi meu tio Antônio, a quem nós sempre tratamos afetuosamente de “titio”. Minha mãe, que se foi há quase 15 anos, era muito apegada às irmãs, mas o xodó mesmo era o irmão. A gente via como eram “carne e unha.” Sempre que podiam, estavam juntos. Ela vivia nos contando das muitas arteirices que faziam quando eram meninos. De duas delas, eu não me esqueço.
A primeira é que, ora um, ora outro entravam em um pneu velho, que levavam até o alto de um monte, e, perigosamente, rolavam morro abaixo, mato adentro. Saiam com o corpo dolorido do outro lado, mas amavam a brincadeira. Mais velhos, comemoravam o fato de nunca terem sofrido nada grave, apesar do perigo que enfrentavam.
A outra “arte” aconteceu quando meninos de seus 8-9 anos. Comeram do fruto de uma árvore chamada Lobeira e ficaram bêbados, sem conseguir andar. Como não chegavam em casa, a mãe aflita, teve que buscar os dois, já escurecendo, no meio do mato. Naqueles tempos moravam numa casa isolada e viviam soltos. Quem tomava conta, mamãe acreditava, eram os anjos.
Os dois ficaram órfãos muito cedo. Minha mãe tinha 14 anos, meu tio 12 pra 13 anos. Ela nos contava do desamparo do período. Cada irmão precisou ir pra um lado, morar com parentes. Viviam se encontrando nas praças. Abraçados, choravam pela tristeza e solidão longe uns dos outros. Chegaram a morar juntos quando a minha mãe se casou.
Sempre que podia, ela ia ter com meu tio. Tô indo à casa de Ântônio e Zizi! Avisava. Vendo essas demonstrações dela, nós também sempre nutrimos muito afeto por ele, pela minha tia Zizi, amiga inseparável de mamãe, e por nossos primos.
No principinho do Janeiro deste ano, numa visita à casa dele – aproveitei para admirar o belíssimo presépio feito por Júnia, a mais nova de seus 14 filhos -, ficamos de mãos dadas e ele me falou da sua fé, do milagre que é a vida, da sua alegria de viver, dos bons filhos que tem. Ficamos lá, enlevados e rodeados de luz, das conversas e do presépio.
Estes dias, passei lá outra vez, para uma breve visita e, de novo, saí admirada e feliz ao ver o meu tio, fazendo nesta quarta-feira, primeiro de março, inacreditáveis 100 anos, nos seus pequenos afazeres: calmo, mostrando no rosto uma alegria marota, que muito me lembra a da minha mãe, uma lucidez invejável e desejável, para quem pretende viver muito. No caso dele, gozando de uma respeitosa e merecida vida boa.
Claro, ele é o centro das atenções da casa. Não exatamente porque precise de cuidados, mas por ser necessário, porque brilha carregando sua missão de, assim como uma vela, uma grande fogueira ou o Sol, iluminar, aquecer e acolher filhos, noras, genros, netos, bisnetos, sobrinhos, amigos, vizinhos e quem mais chegar. Não me canso de admirá-lo.
Meu tio faz 100 anos, vivaaaa! Que sempre o tenhamos mais e muito!
Feliz aniversário, meu querido titio!
Leia também:
Como chegar aos 100 sã e bem disposta
100 anos de mulheres incríveis – você não pode deixar de ver
Parabéns, a esse homem educado e Maravilhoso, q tive o privilégio de me casar ,no cartório onde trabalhava, que Deus de muitos anos de muita saúde e paz,
Mil parabéns ao querido Antônio Nonato!
Eu também sou uma privilegiada, a quem ele sempre tratou de “minha sobrinha”, com o mesmo carinho, amizade e respeito dedicados aos parentes de sangue, como tão bem testemunhou a querida Lisa Santana neste belo texto em sua homenagem. O meu abraço mais terno !
Elzira