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O envelhecimento, assim como a morte, é inevitável. Não há como deter o tempo. Mesmo sabendo disso, ou talvez por saber disso, uma grande parte dos jovens desenvolve verdadeiro pavor de envelhecer.
Esse sentimento, tão comum no Brasil onde o culto da juventude é tão exagerado, ganhou o feio nome de gerascofobia.
Estudos mostram que, especialmente pessoas entre 18 e 24 anos têm visão muito negativa dessa fase da vida.
Pesquisa realizada pela Pfizer em 2015, mostrou que a avassaladora maioria dos brasileiros têm medo de enfrentar a passagem do tempo.
Isso tudo, claro, tem muito a ver também com a maneira como o velho tratado pela sociedade, como um ser de segunda categoria, de menor valor.
Recentemente, três estudantes na faixa dos 20 causaram escândalo ao dizer que uma aluna de 45 não deveria estar iniciando um curso universitário, porque já estava na hora dela se aposentar. O preconceito é maior do que a gente pensa.
Leia o artigo de Laís Risatto para O Globo:
Aos 29 anos, Amanda Mendes tem pressa. Gerente de um escritório de arquitetura, ela decretou uma verdadeira batalha contra o tempo, transformando-o em seu pior inimigo, e entendendo ser tarde demais para certas conquistas, como casar-se ou comprar um imóvel. “Já queria estar casada, ter um carro, um apartamento, ou pelo menos pagando por essas coisas, e não pensando em começar”, avisa. “Então, parece que estou atrasada. Me acho velha e pronto”, conta.
No espelho, as marcas no rosto também são motivo de ansiedade. “Já faço botox há um ano e meio. Com qualquer ruguinha, fico desesperada”, diz. A terapia, conta, tem servido para amenizar os efeitos emocionais de algo que é inevitável, o envelhecimento.
De acordo com pesquisas divulgadas nos últimos anos, como a da Sociedade Real para a Saúde Pública do Reino Unido, feita em 2018, 40% dos entrevistados entre os 18 e 24 anos tinham visões negativas sobre a velhice. Outro estudo encomendado pela Pfizer em 2015 afirma que 90% da população brasileira tem medo de envelhecer. E esse medo tem nome: gerascofobia.
Como preconceito surgiu
Para Valmir Moratelli, pesquisador sobre envelhecimento e doutor pela PUC-Rio, a lógica que enaltece os jovens surge no final do século XVIII, com a Revolução Industrial, em um momento em que os corpos velhos são “descartados” por não terem tanta agilidade e maior capacidade de produção.
“O jovem é visto como aquele que é capaz de mover a economia, e essa visão fica ainda mais exacerbada com a tecnologia. Tudo o que é moderno é atrelado ao jovem e a valores capitalistas muito ligados à produtividade. Então, envelhecer faz a gente ter medo de sofrer consequências”, explica.
Muito desse pânico tem a ver com as redes sociais. “É um faz de conta, uma válvula de escape para burlar essa noção de temporalidade que chega para todos”, diz o pesquisador.
Não à toa, a dependência dos filtros que melhoram a pele e a aparência atinge cerca de 84% dos jovens, de acordo com levantamento feito pela empresa Edelman Data & Intelligence em 2020.
No aplicativo Tik Tok, o filtro “Como um adolescente”, que “revive” a aparência do usuário nessa fase da vida, já tem quase quatro milhões de vídeos.
Para a mulher, mais cruel
Para as mulheres, os efeitos da passagem do tempo são, socialmente, mais cruéis, e os maiores exemplos vêm da indústria do entretenimento.
Em 1986, ao fazer 40 anos, a atriz e cantora Cher, de 76, ouviu que era “velha demais e nada sexy” para integrar o elenco do filme “As Bruxas de Eastwick”.
Aos 33 anos, em 2015, Anne Hathaway declarou em entrevista sentir estar perdendo papéis para atrizes na faixa dos 20.
Desde que a cerimônia do Oscar foi criada, em 1929, só 30 atrizes com mais de 50 anos foram premiadas com a estatueta. Entre os homens, esse número dobra.
“O que é crítico nessa conversa é que a mulher é sempre velha para alguma coisa, seja para brincar de boneca ou fazer uma tatuagem. Estamos perenemente condenadas a um relógio que faz alusão ao biológico”, explica Iza Dezon, CEO da agência de previsão de tendências Dezon.
Ela afirma que o nosso confronto com a imagem o tempo todo nas redes, selfies e videochamadas piora o problema.
Não ser tão nova e bonita
Pela primeira vez em muito tempo a estudante Renata Queiroz não comemorou seu aniversário. Ao completar 35 anos em fevereiro, teve uma sensação diferente. “Eu realmente não sabia se estava feliz. Minha família e meus amigos se espantaram por eu não querer a casa cheia. Amava fazer aniversário”, lamenta ela.
A preocupação com a idade já a faz pensar em ir para a mesa de cirurgia. “Fiz mamoplastia e coloquei prótese por causa da amamentação, mas queria também uma lipo na papada. Além disso, faço drenagem, massagem modeladora e uso produtos cosméticos de uso contínuo. Tenho receio de não ser mais tão nova e bonita”, afirma
Renata, mãe de dois rapazes, um de 18 e outro de 15 anos. “Ter a aparência da sua idade é muito ruim”, acredita. Outro medo constante é chegar aos 40 e perder a vitalidade. “Sempre tive boa mobilidade e hoje vejo que algumas coisas me causam cansaço físico. As limitações me assustam”.
Se para as mulheres vale (quase) tudo para barrar a ação do tempo na pele, para os homens, questões como a solidão, o medo de morrer e a falta de perspectivas no mercado de trabalho parecem ser mais importantes.
“A sociedade ocidental não está preparada para encarar a finitude. A tendência é a gente negar a morte”, fala o analista de dados Igor Carvalho, 39 anos.
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“Estou tentando não surtar (risos). A velhice é um conjunto de perdas. Pensar na possibilidade de não ter amparo em um momento em que precisamos de apoio é uma realidade difícil de encarar”, continua ele.
A falta de representatividade na moda e em outros mercados de consumo também traz desconforto e ansiedade para Igor. “Outro dia, passei em frente a uma loja e me assustei, porque não me reconheci naquelas roupas. Parece que há 10, 15 anos, eu podia mais. A figura do jovem é sempre mais atraente, mais carregada de valor e de potência”.
Medo traz sofrimento
O consultor de investimentos Allysson Moraes, de 35 anos, faz coro e afirma que, além de mentir a idade quando questionado, perde o sono quando pensa na passagem do tempo. “Não consigo dormir, é um sofrimento diário, me consome. Graças a Deus, aparento ser mais jovem”, desabafa.
Os efeitos também são sentidos em processos seletivos de emprego. “Sei que sou considerado velho para o mercado. Aniversário, eu nem comemoro mais”, lamenta.
Mas o que fazer, já que é impossível parar o tempo? A psiquiatra e psicogeriatra Salma Ribeiz diz ser essencial exercitar a arte de viver no presente.
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“Cultivar amizades, ter disposição para aprender algo novo e ver as mudanças positivas, e não apenas negativas, que a passagem do tempo traz, como mais experiências, segurança e regulação emocional”, afirma.
Para estudiosos do tema, a velhice deveria ser entendida como um ganho, afinal, é um privilégio envelhecer com dignidade em um país desigual como o Brasil, uma vez que nem todos têm esse direito.
“Ir em busca de um propósito de vida também norteia e facilita a aceitação do envelhecimento”, finaliza Salma.
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