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Nesta crônica, Nelson Motta, jornalista e escritor, fala de algo precioso nestes tempos tão barulhentos, de tantas vozes falando ao mesmo tempo e o tempo todo: o silêncio.
“Por que é tão difícil ficar calado? Parece que se você parar de falar não existe… não importa quem o esteja ouvindo, ou mesmo se alguém o esteja ouvindo. O interlocutor é secundário, você só quer falar, falar e falar,” escreve o cronista, no texto publicado por O Globo.
O que muita gente não sabe é que falar muito cansa, exaure.
“Eu quero o silêncio das línguas cansadas,” pede a linda letra de Casa no Campo, de Zé Rodrix (1947-2009), imortalizada por Elis Regina.
Não só queremos silêncio das línguas quietas, imóveis dentro da boca. Precisamos desse silêncio!
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Que tal um mergulho no silêncio? Quem tem medo do silêncio? A verdade é que falamos demais, eu e você, e quando digo falar também digo escrever, falar sem parar, como no velho rádio, em que ao menor silêncio na transmissão o ouvinte mudava de estação. Claro, as redes sociais são o universo do barulho e do falatório dos sons e palavras, todo mundo fala muito o tempo inteiro, todos querem manter sua audiência, isso está na sua própria essência, é o seu motor, porque “internet é hábito”, ensina o mestre Christian Rôças.
Também é vício e dependência para muitos. O silêncio é o campo de batalha dos profissionais das redes sociais, que vivem disso, a fala é seu instrumento de trabalho, e muitos fazem muito bem a muita gente falando muito. Mas influencers e inspirators, como pessoas físicas, também precisam de silêncio.
Foi justo nas redes sociais que se popularizou a ideia do “calado vence” para escapar das polêmicas inúteis e da perda de precioso tempo com ideias e pessoas vazias e muitas vezes estúpidas e grosseiras. Para quê? Em que isso melhora a sua vida?
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Por que é tão difícil ficar calado? Parece que se você parar de falar não existe… não importa quem o esteja ouvindo, ou mesmo se alguém o esteja ouvindo. O interlocutor é secundário, você só quer falar, falar e falar, afirmando suas ideias e tendo opinião sobre tudo e todos, tentando mostrar com palavras as suas virtudes e expertises, mas é uma grande angústia, uma tensão permanente, uma insegurança sobre estar presente, sobre o que o outro está ouvindo.
Fala-se da antiga e simpática ideia carioca do “papo furado” leve e amistoso, mas que Lacan chamaria de “fala vazia”, porque é para esconder aflições, incertezas e inseguranças. Jogar conversa fora não é um passatempo para quem não tem tempo a perder.
Ninguém pensa no silêncio como o maior inimigo da comunicação entre as pessoas e seus sentimentos. A ideia é economizar palavras para gastar em conversas mais ricas e construtivas e, sim, mais leves e divertidas, mais profundas e inteligentes. Sintonia fina.
O tempo é pouco e o barulho é muito, com todo mundo lutando pela sua atenção, hoje uma das commodities mais valorizadas do mundo digital. Economize e use bem, é o óbvio. Não, pessoas mais extrovertidas não são piores ou melhores do que as introvertidas, fala-se sobre os benefícios do silêncio voluntário.
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Entre os vários livros sobre o tema, “STFU (acrônimo em inglês para “O poder de manter a boca calada num mundo infinitamente barulhento” ), de Dan Lyons, e “Terapia Zen: quando a terapia e o budismo se encontram no divã”, de Mark Epstein, em que a chave do sucesso está em saber quando se está falando porque está ansioso, ou só para preencher um espaço silencioso, ou se as palavras serão úteis.
Um ex-chefão de marketing da Apple recomenda que, num e-mail, tudo tem que ser dito em cinco frases. Um dos fundadores do Tinder sugere um perfil curto e amigável de 500 caracteres ou menos. É, quem muito fala dá bom dia a cavalo. Pronto. Falei.
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