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A antropóloga Mirian Goldenberg é uma estudiosa do envelhecimento e tem vários livros publicados sobre o assunto. Está sempre denunciando o preconceito de idade (etarismo) e a violência que milhares de brasileiros e brasileiras com mais de 60 anos sofrem no Brasil.
Neste artigo, ela conta das mensagens que tem recebido, pedindo que não fale mais de assuntos relacionados ao envelhecimento.
E responde com firmeza: “Apesar das críticas, conselhos e sugestões para mudar de tema, nunca parei de pesquisar sobre envelhecimento, autonomia e felicidade, nem de escrever sobre os meus melhores amigos nonagenários,” responde ela.
A antropóloga também dá um panorama assustador da violência no país contra os mais velhos.
“Nos seis primeiros meses de 2024, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania registrou 74.620 denúncias de violência contra idosos,” afirma ela. São mais de 12 mil denúncias por mês – cerca de 400 por dia.
A suspeita é que os números sejam bem maiores, tendo em vista que nem toda mulher agredida, por vergonha ou outro motivo, denuncia numa delegacia seu agressor.
Leia:
“Mirian, posso te dar um conselho de amigo: para de escrever sobre velhos, por favor. Não gosto de ficar lendo sobre velhofobia, etarismo, violência contra os velhos. Não quero ficar pensando sobre a minha própria velhice. Gosto mais quando você escreve sobre traição, sexo e temas mais leves. Você escreve tão bem que eu iria adorar até se você escrevesse sobre a rebimboca da parafuseta. Pode escrever sobre qualquer coisa, menos sobre velhos.”
Não sei quantas vezes eu escutei nas últimas três décadas: “Mirian, para de escrever sobre velhos. Que assunto chato! Escreve sobre um tema mais leve”. Mas foi a primeira vez que um leitor sugeriu que eu escrevesse sobre a “rebimboca da parafuseta”.
Apesar das críticas, conselhos e sugestões para mudar de tema, nunca parei de pesquisar sobre envelhecimento, autonomia e felicidade, nem de escrever sobre os meus melhores amigos nonagenários.
E vou continuar escrevendo, e até mesmo gritando, para denunciar e combater a violência física, verbal e psicológica que os mais velhos sofrem dentro das próprias casas e famílias. É o propósito da minha vida.
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Nos seis primeiros meses de 2024, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania registrou 74.620 denúncias de violência contra idosos. A realidade é muito mais assustadora, pois a maioria tem vergonha e medo de denunciar seus agressores: os próprios filhos na maior parte dos casos; e também os netos, cônjuges, genros e noras. Entre os abusos mais comuns estão:
Negligência – quando deixam de oferecer cuidados básicos ao idoso, como higiene, saúde, medicamentos, proteção contra frio ou calor;
Abandono – quando há ausência ou omissão dos familiares ou responsáveis, governamentais ou institucionais, de prestarem socorro a um idoso que precisa de proteção;
Violência física – quando é usada a força para obrigar o idoso a fazer o que não deseja, ferindo, provocando dor, incapacidade ou até a morte;
Violência psicológica ou emocional – comportamentos que prejudicam a autoestima ou o bem-estar do idoso, como xingamento, susto, constrangimento, impedimento de que vejam amigos e familiares, tortura psíquica;
Violência financeira ou material – a exploração ou o uso não consentido de seus recursos financeiros e patrimoniais.
O “Junho Violeta”, criado pela ONU, é o mês de prevenção e de conscientização da violência contra a pessoa idosa. Dia 15 de junho é o Dia Mundial de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa. A data foi criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2011, com o objetivo de chamar a atenção para a existência de violações dos direitos dos idosos e divulgar formas de denunciá-las e combatê-las.
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O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, por meio da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, lançou uma campanha com o slogan “Respeito não tem prazo de validade”, com o objetivo de “conscientizar a sociedade sobre a necessidade da garantia de direitos, dignidade e combate à violência contra pessoas idosas”.
O último Censo mostrou a tendência de envelhecimento da população brasileira: somos 32 milhões de brasileiros de 60 anos ou mais.
O Estatuto da Pessoa Idosa, lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, dispõe que a pessoa idosa goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, garantindo-lhe todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
A lei dispõe que é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar à pessoa idosa, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Todo cidadão tem o dever de comunicar à autoridade competente qualquer forma de violação a esta lei que tenha testemunhado ou de que tenha conhecimento.
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Tudo muito lindo, mas será que o Estatuto da Pessoa Idosa tem sido respeitado dentro das nossas próprias casas e famílias?