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A coletânea organizada pela atriz de ‘Arquivo X’ e ‘Sex Education’, Gillian Anderson, 56, reúne cartas de mulheres anônimas de várias partes do mundo, contando suas fantasias sexuais.
A editora de Anderson convidou essas mulheres a enviar suas fantasias por meio de um portal online. Recebeu um monte de depoimentos.
O livro, que trata do desejo feminino, acaba de ser publicado no Brasil pela Editora Vestígio (336 páginas, R$ 79,80 | E-book: R$ 52,90).
Uma das críticas à obra é que não menciona a idade das mulheres que contaram suas. “Deixar a idade de fora parece uma oportunidade perdida de abrir uma janela para a rica vida de fantasia interior das mulheres mais velhas.”
Afirma Kimberly Harrington, autora deste artigo, publicado pelo Washington Post e traduzido pelo Estadão.
Leia:
Nas três décadas desde que surgiu como a alinhada agente Scully em Arquivo X, ela virou um verdadeiro símbolo sexual. E também se tornou uma referência irônica e sofisticada – nas redes sociais e em entrevistas – por falar francamente sobre desejo e sexualidade.
Em um perfil recente na revista New Yorker, Anderson reafirmou o que muitos de seus fãs já imaginavam: “Não sou melindrosa. Não sou pudica. Sinto que já vivi muita coisa”. Como que para provar isso, no Globo de Ouro deste ano ela usou um vestido creme desenhado por Gabriela Hearst, com a saia delicadamente bordada com uma estampa de vulvas em um fio branco um pouquinho mais brilhante.
Então, talvez o tema de seu novo livro – o desejo feminino – não seja surpreendente.
Desejo é uma coletânea de fantasias sexuais de mulheres anônimas. A editora de Anderson convidou mulheres de todo o mundo a enviar suas fantasias por meio de um portal online, o que resultou em cerca de 800 mil palavras. Anderson diz sucintamente: “Ficou claro que havia uma demanda”. Seu livro traz uma seleção dessas cartas. Como atrativo, a atriz nos confessa que uma fantasia sua também está ali em algum lugar do livro.
O projeto foi inspirado no best-seller de Nancy Friday, My Secret Garden: Women’s Sexual Fantasies, de 1973, livro que Anderson diz ter lido como preparação para seu papel como a terapeuta sexual Jean Milburn na série Sex Education, da Netflix. O livro de Friday, escreve ela, revelou que, “para algumas de nós, o sexo que temos na cabeça pode ser mais estimulante do que os encaixes mecânicos”. As cartas do livro “não eram polidas, nem tentavam ser literárias” – e o mesmo se aplica a algumas das cartas de Desejo.
Talvez você tenha a mesma pergunta que eu: Será que um livro que segue o padrão de um best-seller erótico publicado 50 anos atrás seria relevante numa época em que todos os tipos de imagens, fetiches, desempenhos sexuais e encontros da vida real estão disponíveis na palma das nossas mãos (por assim dizer) com um toque, clique ou texto? A resposta é um definitivo sim.
Olha a atriz usando um belíssimo vestido, todo bordado na saia, da estilista Gabriela Hearst:
Uma nota na parte inferior de cada entrada detalha quem é a autora da carta por grupo étnico, nacionalidade, religião, renda anual, orientação sexual, status de relacionamento e se tem filhos. Curiosamente – e por razões que não são ditas – a idade não é revelada. É uma omissão decepcionante. Eu teria adorado ter uma noção melhor das gerações neste livro. As mudanças nas normas sociais e culturais afetam todos os aspectos da nossa vida, até mesmo as fantasias. Deixar a idade de fora parece uma oportunidade perdida de abrir uma janela para a rica vida de fantasia interior das mulheres mais velhas. Fico imaginando o que Jean Milburn pensaria.
Sabiamente, Anderson (e, sem dúvida, sua editora) optou por evitar os aspectos mais tabus de My Secret Garden, como incesto, pedofilia e sexo com animais. Mas Anderson fala cuidadosamente sobre o perigoso elefante na sala, as fantasias de estupro, admitindo que “embora estivéssemos atentas para excluir cartas que pudessem disparar gatilhos traumáticos, seria desonesto não reconhecer que algumas mulheres fantasiam que estão sendo ‘usadas’ para o sexo (…).
O importante é deixar claro que são fantasias. E talvez o objetivo da fantasia seja proporcionar um espaço em que possamos imaginar e representar com segurança situações potencialmente perigosas dentro dos limites da nossa mente e do nosso quarto”. Nesse ponto, qualquer fantasia que se aproxime desse cenário enfatiza que a autora da carta é a criadora e controladora suprema do que está acontecendo com ela e para ela.
Desejo é um título apropriado, pois muitas das fantasias se enraízam no desejo de ser desejada, venerada, atendida e saciada de maneiras que, presumivelmente, não existem na vida das autoras das cartas. Mas algumas das cartas mais ousadas abordam tanto os desejos emocionais quanto os físicos: elas vêm de um lugar de vulnerabilidade e revelam uma profunda necessidade de aceitação e cuidado sem complicações.
Uma das mulheres diz que sonha “com alguém que não tenha medo de puxar minha cadeira de rodas para perto e pisar no freio e se sentar em cima de mim e me beijar profundamente”. Com muita frequência, o sexo é visto como um privilégio de corpos sem marcas. Outra confessa: “Quando expliquei que o câncer exigia mastectomia extrema e mostrei o resultado final, ele não me olhou com desprezo nem repulsa. Só acariciou meu seio, passando levemente os dedos sobre a cicatriz e beijando gentilmente ali onde não tinha mais tecido”.
O que fica óbvio é que, apesar de tudo o que mudou desde My Secret Garden, muitas mulheres ainda sentem muita vergonha – e até mesmo falta de liberdade – para dar asas à sua imaginação sexual. Elas parecem aceitar (às vezes aliviadas, outras vezes frustradas) que provavelmente nunca conseguirão realizar suas fantasias, mas são gratas pelo refúgio que essas imaginações proporcionam.
Para algumas, as fantasias são literalmente uma tábua de salvação. De uma mulher casada com uma vida sexual de baixa frequência (não por escolha dela): “O nível de rejeição e solidão que senti por tantos anos (…) foi incrivelmente destrutivo, e sei que sem minhas fantasias e minha fluidez na construção de mundos imaginários eu provavelmente teria acabado com minha vida”.
Ainda assim, o livro tem muito humor, brilho e boas sacadas, além de saltos super criativos, desde a narrativa até o design de produção e elencos bem detalhados. É claro que há alguns clássicos esperados – sexo a três, sexo em grupo, ter alguém assistindo – mas aposto que você não estava esperando um robô sexual. Ou um alienígena com tentáculos curiosos e talentosos. Seria fácil ficar desconfortável, talvez até rir, mas, em vez disso, cartas como estas deixam claro que a alegria e a liberdade de se entregar à imaginação sexual é que ninguém pode acabar com a sua festa.
Talvez uma das fantasias com que as mulheres que tenham sido casadas com um homem mais se identifiquem: “Fazer meu marido dizer que contratou uma faxineira. Fazer meu marido dizer que fez as compras de supermercado. Fazer meu marido dizer que vamos ao cinema”. E por aí vai, com frases cada vez mais explícitas e menos publicáveis. Mas o que essa breve e rítmica meia página mostra não é que as mulheres achem sexy quando o cara tira a louça da máquina de lavar – por favor, não somos tão simples assim. É só que seria bom se nossos parceiros demonstrassem responsabilidade, iniciativa e cuidado espontâneo.
Em meio à safadeza, ao calor e – sim – ao romance que permeia toda essa coleção, está o anseio de ser vista, desejada, compreendida. Este é o tema menos lascivo e mais terno de Desejo.
Desejo: Mulheres do mundo todo revelam suas fantasias de amor e sexo
- Autora: Gillian Anderson
- Tradução: Ibraíma Dafonte Tavares
- Editora: Vestígio (336 páginas, R$ 79,80 | E-book: R$ 52,90)