Gláucia Moraes
50emais
“Mãe, tive uma epifania”. Assim começou a mensagem por whatsapp da minha filha, que estava na África do Sul, de férias.
E contou, logo em seguida, que ela e o namorado não haviam programado direito determinado passeio e nada estava dando certo: os hotéis estavam cheios, as entradas esgotadas etc etc.
Tudo caminhava para que ela tivesse um surto nervoso, como era comum em sua infância e adolescência se algo não saísse conforme esperava em nossas viagens de férias.
Mas, segundo me relatou, lembrou-se dos meus ensinamentos e da minha frase predileta (uma delas, tenho várias): “Tudo tem solução, menos a morte” ou, numa outra versão: “Pra tudo se dá um jeito”.
E assim seguiu, aproveitando a paisagem exuberante e gratuita que invadia todos os seus sentidos, prestando atenção nas florezinhas do caminho, ouvindo os pássaros, respirando aquele ar novo e diferente e buscando encontrar outros programas, já que “o que não tem remédio, remediado está” (outro ditado que repito com certa constância).
De forma que conseguiu, com muito bom humor, reorganizar a viagem, recalcular a rota e não perder tempo “chorando sobre o leite derramado”.
Esses ensinamentos, conforme me disse, não faziam sentido quando ela era mais jovem; sendo, inclusive, muito maçantes.
Mas agora, como uma manifestação espiritual, colaboraram para que ela saísse de uma situação semelhante àquelas que tantas vezes lhe tiraram o sossego e a paz, estragando sua(s) jornada(s).
Era meu aniversário de 56 anos, e não poderia ter recebido melhor presente: saber que consegui transmitir, com palavras e atos, alguma serenidade a um coração jovem e tão ansioso para trilhar um caminho revestido de tamanhas expectativas que talvez não conseguisse enxergar uma saída de emergência no caso de um incêndio interior, e, mais que isso, contribuí para que ele não ficasse rígido e inflexível como alguns que a gente vê envelhecer sem amolecer.
Só eu sei quanto esforço isso me custou, já que eu mesma lutei toda a vida contra minha ansiedade, minha inflexibilidade e minha mania de querer tudo do meu jeito e no meu tempo, como se eles fossem os únicos válidos no universo.
Minha impaciência não me permitiu desfrutar dos caminhos que trilhei, porque estava sempre pensando na chegada. “Mais importante que o destino é a jornada”, quem disse isso? Alguém merecedor do Prêmio Nobel Das Minhas Frases Prediletas.
Agora, como numa eterna viagem a Ítaca*, vou curtindo cada momento, porque sei que Ítaca pode não ser tão bonita e interessante quanto o que imaginei, e a culpa não é de Ítaca, mas da ideia que eu fazia dela. Contudo, o caminho até lá logra ser divertido e emocionante, se eu souber aproveitar.
Recebi, junto dessa mensagem, uma foto sorridente da minha filha avistando o Cabo da Boa Esperança, antes chamado Cabo das Tormentas, e tive, agora eu, uma epifania: a tormenta se transformou em bonança aos 29 anos.
“A esperança é a última que morre”, mais uma frase predileta desta velha senhora que vos escreve.
*Poema de Konstatinos Kaváfis, poeta grego-otomano do séc. XX.
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Que lindo texto além de ser prazeroso a leitura! Como é gratificante ver que ensinamos praa filhas, as vezes, sem perceber. Beijo GALAUCIA! 😁
Pois é… Nossos exemplos ficam, para o bem e para o mal… Rsrsrs