A face talvez mais perversa da velhice é a solidão, que para muita gente torna-se sinônimo de abandono. A Grã-Bretanha, por exemplo, com sua população cada vez mais envelhecida, criou, em 2018, o Ministério da Solidão, para lidar com o isolamento frequente de grande contingente de idosos no país. Outros países de população envelhecida, como o Japão, também enfrentam o problema.
Por isso está tendo tanta aceitação o robô Zora, criação belga destinada a tornar a vida dos mais velhos menos solitária. Zora está sendo comprada por hospitais dos mais diferentes países para cuidar de idosos. E parece que cumpre muito bem a sua missão: é comum se apaixonarem pela criatura, como mostra esta reportagem de Adam Satariano, Elian Peltier e Dimitry Kostyukov para o jornal El País.
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Zora. Assim que se chama. Pode não parecer grande coisa. Tem a aparência de ser mais um brinquedo bonito de última geração do que uma maravilha futurista, mas na realidade esse robô é a base de uma experiência na França para revolucionar o cuidado aos idosos. E está funcionando.
Quando Zora chegou a Jouarre, um lar para idosos a uma hora de Paris, algo estranho começou a acontecer: muitos pacientes desenvolveram um vínculo emocional com o robô e o tratavam como um bebê. Abraçavam, ninavam e beijavam o aparelho robótico. Zora, que custa até 16.000 euros (68.000 reais), dava algo muito valioso a um idoso: companhia, em um lugar em que a vida pode ser solitária. Os pacientes do hospital de idosos sofrem de demência e outras doenças que precisam de cuidados 24 horas por dia. As famílias, entretanto, não fazem muitas visitas aos seus avós e os profissionais de cuidados psicológicos são sempre escassos.
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O enfermeiro que supervisiona Zora controla o robô de seu computador portátil. Frequentemente se esconde para que os pacientes não saibam que é ele que o dirige. O aparelho pode manter uma conversa com os internos porque o enfermeiro tecla palavras no computador para que ele as pronuncie. Alguns pacientes se referem a Zora como “ela” e outros como “ele”.
A robótica ainda tem um longo caminho a percorrer antes de existir a possibilidade realista de se ter um enfermeiro humanoide. E Zora não é uma exceção. Não administra medicamentos, não mede a pressão, não troca os lençóis. Em Jouarre, alguns funcionários criticam o robô e acham que é uma ferramenta supérflua que só “mantêm os pacientes entretidos”, de acordo com uma das enfermeiras, Sophie Riffault.
Sua colega, Nathalie Racine, afirma que não deixaria que um robô alimentasse os pacientes mesmo que pudesse fazê-lo. Os seres humanos não deveriam delegar às máquinas situações tão íntimas. “Nada jamais poderá substituir o toque humano, a calidez pessoal que nossos pacientes precisam”, diz Nathalie.
A experiência no lar de Jouarre, entretanto, nos permite ter uma ideia do futuro quando nossa dependência dos robôs será total para cuidar de nossos entes queridos à medida que envelhecerem.
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A ZoraBots, a empresa belga que fabrica o robô de Jouarre, afirma que vendeu mais de 1.000 unidades a hospitais em todo o mundo, incluindo os Estados Unidos, Ásia e Oriente Médio. Faz parte da crescente ênfase na robótica focada no cuidado médico. Um cachorro robô fabricado pela Sony já é comercializado como companhia para idosos. “Precisamos lutar contra a solidão dos idosos”, diz Tommy Deblieck, executivo-chefe da ZoraBots.
Dar aos robôs mais responsabilidade para cuidar das pessoas no ocaso de suas vidas pode parecer uma possibilidade remota, mas muitos já a consideram inevitável. A população de idosos aumenta sem parar. Em 2050, o número de pessoas com mais de 60 anos será de 2,1 bilhões, de acordo com as Nações Unidas.
E esses números indicam uma nova crise. Simplesmente não existirão pessoas para cobrir os postos de trabalho que a crescente assistência de saúde necessita. Seus defensores afirmam que deve ser criada uma nova tecnologia para salvar a situação.
O problema é especialmente grave na França, onde os hospitais enfrentam nos últimos tempos uma crise com greves dos profissionais de saúde que protestam pelos cortes orçamentários e a escassez de funcionários. O aumento dos suicídios de enfermeiras e médicos está nas manchetes, e o ministro da Saúde francês reconhece que o sistema hospitalar está “perdendo força”.
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O desafio consiste em criar máquinas capazes de realizar trabalhos mais complexos. Não é a mesma coisa levantar o ânimo de um paciente com uma canção e dar atenção médica. Por enquanto, o hospital francês, que adquiriu o robô com a ajuda de uma doação de caridade, só coloca Zora em funcionamento algumas vezes por mês.
Na Austrália, um hospital que tem um robô do mesmo modelo de Zora estudou seu efeito nos pacientes e funcionários. Os pesquisadores descobriram que melhorava o estado de ânimo de alguns pacientes e os fazia participar mais das atividades, mas precisava de um importante suporte técnico. A experiência dos funcionários do hospital francês foi parecida.
Os funcionários do lar de Jouarre se surpreendem com o apego dos pacientes ao robô. Mickaël Feret, um enfermeiro, diz que alguns deles sentem ciúmes de outros porque passam um tempo com Zora. Alguns pacientes chegam até a contar ao robô intimidades sobre sua saúde que não falariam aos médicos de carne e osso. Por exemplo, uma idosa que tinha marcas roxas no braço se negava a contar aos funcionários do hospital o que havia acontecido, mas disse a Zora que havia caído da cama enquanto dormia.
“Ela traz um pouco de alegria a nossas vidas aqui”, disse Marlène Simon, de 70 anos, que precisou fazer uma traqueostomia e está há mais de um ano no hospital. “Gostamos dela, e sinto saudades quando não a vejo. A verdade é que penso nela frequentemente”.
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Quando estivemos em Jouarre para ver como trabalha esse enfermeiro robô o dia para Zora foi longo. O humanoide visitou os pacientes separadamente de manhã e depois foi utilizado para ajudar nos exercícios de grupo e em outros afazeres ao longo do dia. Exaustivo.
No final do dia, o colocaram na pequena mala em que passa a noite, guardada em um armário no escritório da secretaria.
Havia ficado sem bateria.
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