
Marlene Damico Lamarco
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Numa acalorada conversa sobre a amizade, alguém afirmou que fazer amigos na infância é muito mais fácil do que na vida adulta e que na velhice a coisa piora. Senti um arrepio, mas continuei ouvindo.
“Na infância, você coloca uma bola debaixo do braço e em alguns minutos junta dez ou vinte amigos. Forma-se, assim, um novo grupo e o próximo jogo já fica marcado automaticamente. Porém, quando vamos crescendo, a coisa vai ficando mais difícil, a vida chama cada um pra um lado, as decepções aparecem, cometemos erros.
Quando vamos ficando velhos, a coisa piora, alguns amigos se deprimem e se afastam, outros ficam mais exigentes, alguns morrem e nesse momento é muito mais fácil perder do que ganhar.”
Nossa! Esse inventário é trágico e tira a esperança de qualquer um que não tenha uma visão interna mais auspiciosa. Realmente, a vida segue rumos diferentes, as experiências negativas acabam marcando mais que as positivas, o espírito crítico e as exigências se acirram. Assim, vamos nos tornando mais amargos… e vamos nos perdendo…
Por esse caminho realmente temos poucas opções, mas ele não é o único. Podemos nos tornar mais sábios para que as amizades perseverem. Amigos são espelhos que refletem a nossa alma e daí a importância do salvamento, do cuidado e do desvelo em guardá-los. A visão que temos deles é a mesma que temos de nós mesmos e da vida. Se pensarmos de maneira diferente, podemos nos salvar e eles serão salvos. Fica aí expressa uma oportunidade de paciência, justeza, transparência, perdão e amor.
A lista vai longe, o treinamento idem, mas tudo pode ser resumido em poucas palavras: podemos mudar a história! Podemos sair da escassez! Se não temos a bola, temos a música, a dança, o papo, o pão, para partilhar. Talvez o que nos falte seja o desprendimento da juventude, os braços abertos para a busca. Mas isso também dá para reaprender, basta querer de verdade…
Querer ser generoso com os limites do outro, pois do jeito que é fora é dentro, e, assim, estaremos sendo compassivos com os próprios limites. Lembra-se do espelho? Valorizar e alimentar os relacionamentos antigos, abrir as portas que a inflexibilidade fechou e criar novos laços de cumplicidade com os amigos. Assim, a sábia reflexão de que na infância tudo era mais fácil, e era mesmo, antes de se tornar uma verdade que se lamenta, tornar-se-á uma verdade que se compartilha.
O mundo precisa de gente assim, que recicle, capitule, abra o coração e que não permita que as elucubrações mentais e egóicas adquiram o poder de romper laços. Gente que ache que gente é mais importante que ideias e coisas.
O mundo precisa de pessoas assim para se tornar mais confiável e mais humano, pessoas que não desistam nunca de jogar boas sementes para criar mundos mais felizes.
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