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É impressionante o número de mulheres que deram enorme contribuição para o desenvolvimento do Brasil e foram literalmente esquecidas. Apesar de seu legado, ninguém fala delas.
Eu mesmo nunca vi uma menção sequer a Johanna Döbereiner, nascida na então Tchecoslováquia, naturalizada brasileira, na década de 1950. Veio para o Brasil fugindo de perseguição política.
Aqui, tornou-se uma pesquisadora importante, com estudos pioneiros na área da agricultura sustentável.
Concordamos inteiramente com a Dra. Natália Pasternack quando ela diz, neste artigo que escreveu para O Globo: “Mulheres cientistas notáveis como Johanna Döbereiner não podem cair no esquecimento. É nosso dever honrar a memória dela.”
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Este ano comemoramos o centenário de Johanna Döbereiner, a cientista brasileira que marcou a história da agricultura, da biotecnologia e do feminismo. Nasceu na antiga Tchecoslováquia (hoje República Tcheca) em 1924, numa região que foi ocupada pela Alemanha nazista. No pós-guerra, seus pais, apesar de sempre terem lutado contra o regime nazista, foram mandados para um campo de trabalho, como muitos cidadãos alemães. Johanna conseguiu fugir com os avós para a Alemanha Oriental.
Sua mãe faleceu no campo de prisioneiros, mas o pai, que era químico, conseguiu escapar e emigrou para o Brasil. Johanna o seguiu em 1950, já formada em agronomia pela Escola Superior Técnica de Munique, e naturalizou-se brasileira em 1956. Foi chefe do Instituto Nacional de Pesquisa em Ecologia e Agricultura Experimental, que deu origem à Embrapa Agrobiologia, e seu trabalho de pesquisa revolucionou a agricultura no Brasil, promovendo estudos pioneiros de técnicas de agricultura sustentável.
Johanna estudava bactérias fixadoras de nitrogênio, como alternativa ao uso de fertilizantes químicos. Além do desafio científico, também teve que encarar uma área de pesquisa dominada por homens, em uma época em que as mulheres ainda não participavam de forma tão ativa na ciência e no mercado de trabalho.
Desafiou ainda a mentalidade vigente: a maioria dos cientistas acreditava que fertilizantes químicos eram essenciais para aumentar a produção, e alternativas biológicas nunca seriam capazes de alcançar o mesmo sucesso.
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Algumas espécies de bactérias presentes no solo capturam o nitrogênio do ar, convertendo-o em compostos de que as plantas precisam para seu crescimento, num processo chamado fixação de nitrogênio. Estas bactérias geralmente estão presentes em nódulos nas raízes de plantas leguminosas. A cientista sugeriu a introdução destas bactérias na cultura de soja, dispensando o fertilizante químico. Isso não só acelerava o crescimento das plantas, mas também tornava todo o processo muito mais barato.
A grande sacada dela foi introduzir a bactéria nas sementes da soja. Quando essas sementes “infectadas” germinavam, as plantas formavam nódulos com bactérias nas raízes, que funcionavam como verdadeiras usinas de fixação de nitrogênio. Assim, a soja produzia seu próprio adubo. Além da simbiose de bactérias com a soja, Johanna identificou mais nove espécies de bactérias capazes de fixar nitrogênio. Graças aos estudos da pesquisadora, os agricultores brasileiros conseguiram substituir o fertilizante pela alternativa biológica, economizando anualmente um valor estimado em US$ 2 bilhões, e tornando o Brasil competitivo no mercado externo.
O programa iniciado com a soja fez tanto sucesso que Johanna Döbereiner começou a pesquisar também bactérias fixadoras em simbiose com outras plantas, não somente em leguminosas. Obteve sucesso com gramíneas, cereais e tubérculos, como batata e mandioca. Um caso de sucesso digno de nota foi a descrição de uma bactéria que fazia simbiose com cana de açúcar.
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Embora tenha sido agraciada com diversos prêmios, incluindo uma indicação para o Nobel de Química, Johanna nunca se tornou conhecida pela população brasileira. Faleceu em 2000, aos 75 anos.
Mulheres cientistas notáveis como Johanna Döbereiner não podem cair no esquecimento. É nosso dever honrar a memória dela e contar sua história para jovens cientistas, que ainda hoje encontram tantos obstáculos na progressão da carreira. Johanna foi eternizada no nome de duas bactérias: Cluconacetobacter johannae sp. e Azospirillum doebereinerae sp. Que seja eterna também em nossa memória.
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