Márcia Lage
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Entre os inúmeros choques de gestão que o Brasil precisa, um dos mais urgentes é no planejamento das cidades.
Não dá mais para as Prefeituras fazerem vistas grossas para a expansão de seus municipios, permitindo construções em beiras de cursos d’água e cocorutos de morro.
Existem leis que regulam as construções no Brasil e as diretrizes do Conselho Nacional do Meio Ambiente são boas. Precisam apenas serem aplicadas e respeitadas.
Não dá mais para o país perder centenas de vidas todos os verões e ficar correndo para reconstruir casas (nos mesmos lugares perigosos), tapar buracos e escorar encostas das estradas mal planejadas, mal asfaltadas e mal conservadas.
Nos últimos 20 anos, tivemos, talvez, os piores prefeitos da história do Brasil. Boa parte deles faz da política um emprego. E não uma missão, para a qual foi eleito.
Em outubro teremos troca de administradores municipais. Será a hora de cobrar dos candidatos investimentos pesados em habitação, urbanismo e meio-ambiente.
É constrangedor visitar lugares deslumbrantes, como o litoral sul do Rio de janeiro e norte de São Paulo, e descobrir que os municípios não têm tratamento de esgoto.
O mesmo ocorre com as políticas habitacionais. Poucos prefeitos investem em casas populares, mas aprovam os mais absurdos e atrasados projetos de bairros e condomínios, ganhando dinheiro com a especulação imobiliária – mandando para longe (sem estrada e sem transporte) os trabalhadores e o pessoal de menor poder aquisitivo.
Essas pessoas, que pagam impostos, vivem confinadas em barracos de taipa e zinco,
sem varandas e sem janelas, onde não entra
vento nem sol.
Os filhos, muitos, não têm creche nem escola perto nem parquinhos aonde ir. Não podem brincar na rua, porque não há ruas. Só lama e buraco ou uma tira de asfalto podre, sem calçadas e sem árvores ao redor.
O que existe nessas periferias – verdadeiros quilombos do século 21 – é abandono. desprezo, é crime contra a humanidade.
Os bairros nessas condições têm que ser refeitos, as casas destruídas e reconstruídas em outros bairros, com água, esgoto, energia, Internet, coleta de lixo, parques, quadras de esporte, escolas. Só assim se reduz a violência, do desespero de saber que nos bairros nobres tudo isso existe.
Morar com dignidade é um direito constitucional. As prefeituras têm que cuidar disso com seriedade, investindo em pessoal capacitado para orientar, corrigir e evitar a proliferação dessas periferias insalubres, irregulares, destituídas de serviços básicos e da presença do poder público.
As prefeituras têm que prover, regular e fiscalizar a moradia dos munícipes.
Arquitetos e urbanistas não faltam para apresentar soluções. São cerca de 286 mil atualmente, segundo o Conselho Nacional da categoria.
E há 400 faculdades de arquitetura formando mais 16 mil a cada ano. Profissionais criativos e competentes não faltam.
Faltam consciência da função política, olhos para ver e ouvidos para ouvir uma população que já está rouca de tanto gritar por socorro nas catástrofes climáticas, que se repetem a cada ano. Com tantas mortes que poderiam ter sido evitadas.
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