Temos exemplos maravilhosos de longevidade, como Fernanda Montenegro, que acaba de fazer 95 anos e continua atuando no teatro, na televisão e no cinema, Othon Bastos, 91 anos, Nathalia Thimberg, 95, Dr. Dráuzio Varella, 81, Zezé Motta, 80, Laura Cardoso, 97. E tantos outros.
Nesta entrevista, o endocrinologista Fabiano Serfaty, autor do livro ‘Segredos para chegar aos 100 anos saudável e feliz’, dá uma verdadeira aula de como chegar lá.
Para ele, viver bem é muito mais do que ter disposição. A longevidade, na sua visão, está atrelada à ideia de uma vida que vale ser vivida, com propósito e conexões verdadeiras.
Leia a entrevista completa feita por Constança Tatsch para o Globo:
Quando fala de longevidade, o clínico geral e endocrinologista Fabiano Serfaty, doutor em medicina pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), não se contenta com o acúmulo de anos. Uma vida longa vale dentro do conceito healthspan, quando não só se vive muito, mas se vive com qualidade.
E essa qualidade não é só ter disposição física. Para Serfaty, a longevidade está atrelada à ideia de uma vida que vale ser vivida, com propósito e conexões verdadeiras. Com a mesma paixão com que defende o jejum intermitente e alerta sobre os riscos do açúcar, o médico fala de espiritualidade e vida em comunidade.
A palavra chave do seu livro é epigenética. Pode explicar o que é e sua relação com a longevidade? Parece que a chave para chegar aos 100 anos não está na genética, afinal.
A epigenética nos mostra que, além do nosso DNA, as nossas escolhas e o ambiente também têm um papel poderoso em nossa saúde. Enquanto nosso DNA carrega o projeto básico, como uma planta arquitetônica da nossa biologia, a epigenética é o conjunto de “interruptores” que controlam a expressão desses genes. Então, você pode silenciar e ativar qualquer gene de acordo com seu estilo de vida, alimentação, exercícios, níveis de estresse e até emoções. Ou seja, a fonte da juventude, da longevidade, está nas suas escolhas. O Velho e Novo Testamento dizem que o que Deus deu para a gente de divino é o livre-arbítrio, a sua capacidade de poder escolher seu caminho. O poder da longevidade está dentro de cada um de nós, pelas escolhas que fazemos, pela capacidade que temos de escolher caminhos saudáveis. Não estamos dizendo que não há alterações genéticas. Claro que sim. A epigenética em grego significa acima da genética, mas é claro, você não consegue mudar tudo.
E quais as melhores escolhas que se pode fazer para ativar ou silenciar certos genes?
Em relação à dieta, é importante evitar excessos de carboidratos e gorduras trans e consumir a quantidade adequada de proteínas, fibras e gorduras. As proteínas são fundamentais para a saúde muscular, especialmente na prevenção da sarcopenia, que é a perda de massa e força muscular com a idade. O jejum intermitente é uma estratégia comprovada cientificamente eficaz que ativa a autofagia — um processo celular de renovação que remove componentes danificados e pode ajudar a prevenir doenças. A atividade física regular é outro pilar essencial. Exercícios aeróbicos e de resistência não apenas melhoram a saúde cardiovascular e a sensibilidade à insulina, mas também estimulam a liberação de hormônios e fatores de crescimento, que promovem a regeneração celular e a manutenção da massa muscular. O controle do estresse é fundamental, pois todos enfrentamos estresses em diferentes graus, mas a chave está em como lidamos com eles. Cada indivíduo pode encontrar estratégias personalizadas para gerenciá-lo, o que pode incluir atividades que realmente ama fazer, como hobbies ou práticas de lazer. Além disso, muitos se beneficiam de práticas como meditação, exercícios físicos, ou mesmo a oração, que ajudam a acalmar a mente e o corpo. A qualidade do sono também é um componente crítico para a saúde.
Pode dar exemplos de mudanças que se pode fazer para ativar ou silenciar certos genes?
Manter um peso saudável ou perder peso, caso esteja acima do recomendado, são algumas das formas mais eficazes de melhorar a saúde e prevenir doenças. Uma maneira simples e mais precisa de avaliar, em comparação ao IMC, é a relação entre a circunferência da cintura e a altura. Para calcular essa relação, basta dividir a circunferência da cintura pela altura. A recomendação é manter o tamanho da sua cintura em menos da metade da sua altura. Se a relação estiver entre 0,4 e 0,49, a gordura abdominal é considerada saudável, sem grandes preocupações para a saúde. Entre 0,5 e 0,59, o risco de problemas aumenta, e acima de 0,6, os riscos são ainda mais significativos. É importante entender que, ao buscar ou manter um peso saudável, o equilíbrio é essencial. A ideia de “é proibido proibir” é fundamental: não se trata de cortar alimentos da sua vida, mas de aprender a fazer escolhas conscientes e equilibradas. O consumo excessivo de carboidratos pode afetar nossa saúde, mas não quer dizer que você nunca mais vai comer pizza, bolo e brigadeiro — claro que vai, mas vai escolher os melhores momentos para isso. É tão importante saber o que comer quanto quando comer, pois tanto o momento quanto a ordem dos alimentos consumidos em cada refeição afetam diretamente a nossa saúde. O segredo está em fazer escolhas conscientes sobre quando consumir certos alimentos, sem comprometer o equilíbrio e o bem-estar do corpo.
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Qual a importância das relações sociais para a longevidade?
Já é sabido que a solidão é um fator de risco cardiovascular e morte, comparável ao risco de fumar ou ter hipertensão, conforme a American Heart Association e a Associação Europeia de Cardiologia. A pandemia só deixou isso mais à flor da pele e mostrou como a gente precisa um do outro. O Harvard Study of Adult Development, um dos estudos mais longos sobre saúde e felicidade, acompanhou a vida de 724 homens ao longo de quase 80 anos, revelando insights valiosos sobre o que realmente contribui para uma vida saudável e satisfatória. Os resultados mostraram que as conexões sociais são mais importantes do que fatores como riqueza ou níveis de colesterol. Colocaram em ordem os aspectos importantes para a longevidade: o primeiro, ou seja, fundamental, são as conexões sociais. A dieta, por exemplo, é só o sexto. Esses dados reforçam a importância do conceito de social fitness, que eu traduzo como musculação social, que é basicamente a capacidade de se conectar e interagir de forma significativa com outros, um conceito que vai além da simples socialização; trata-se de nutrir e valorizar cada interação humana, desde a conversa com um familiar ao acordar até o cumprimento a um desconhecido no mercado. Cada uma dessas interações tece a rede que sustenta nossa saúde mental e emocional. A vida é, em grande parte, uma tapeçaria de conexões.
O que as chamadas blue zones (locais mapeados no mundo onde as pessoas vivem mais que a média do planeta) nos mostram?
Na cidade de Okinawa, no Japão, uma das blue zones, são montados grupos que se reúnem, a partir dos seis anos, chamados Moais. E você vê as vovozinhas, os vovozinhos, eles todos com 90, 100 anos se reunindo uma vez por semana. Uma senhora de lá relata que abre a porta todo dia para ver se as duas vizinhas estão ali, para garantir que estão bem. O poder da conexão é muito forte, muito mais importante do que se você comer tal coisa, tomar tal suco. Além disso, as Blue Zones nos ensinam que o controle do estresse é essencial, todos nós somos submetidos a situações difíceis e de estresse, até quem mora na s blue zones, mas o interessante é que nos mostram como aumentar nossa resiliência para lidar com essas situações do dia a dia. O segredo é encontrar uma estratégia que funcione para cada um, seja exercício, orar, meditar, ter um hobbie. Por exemplo, na Sardenha, eles fazem happy hour com amigos e família, tomando vinho e batendo papo. Já os adventistas de Loma Linda, na Califórnia, rezam, os okinawanos dedicam um momento no dia para lembrar dos antepassados e os ikarianos, da Grécia, tiram uma soneca.
Vivemos num mundo que cultiva o prazer imediato. Um investimento emocional em coisas mais duradouras faz mais sentido?
Viver com propósito, de acordo com estudos, de fato, aumenta a longevidade, previne doenças e melhora a saúde mental. O rabino Jonathan Sacks dizia que felicidade é diferente de propósito. Felicidade é uma coisa momentânea. Propósito, ou significado, é para sempre. A felicidade está ligada ao eu, a receber e a satisfazer nosso próprios desejos, enquanto o significado está mais ligado a dar e se constrói a partir do propósito de contribuir para a vida dos outros. O animal fica feliz, mas propósito é uma coisa humana. O médico psiquiatra e judeu sobrevivente do Holocausto, Viktor Frankl, fundou a Logoterapia, uma abordagem terapêutica que ajuda as pessoas a encontrar significado em suas vidas, mesmo diante de desafios. Durante o tempo em que ficou no campo de concentração de Auschwitz, percebeu que aqueles que conseguiam encontrar um significado para a vida, por menor que fosse, conseguiam sobreviver ao terror, mantendo sua vontade de viver. E ele dava exemplos, como um homem que tinha um filho que esperava por ele no exterior ou um cientista que precisava concluir uma série de livros, ou seja, sua obra estava em aberto. A pessoa pensa: vou começar a tomar uma vitamina, um super suplemento, fazer mil exercícios, seguir o guru tal, fazer a dieta tal… Mas a longevidade não está nisso. Frankl dizia que a busca pelo sentido da vida é a força motivadora central em todos os seres humanos, superando até mesmo as necessidades básicas. Ele nos mostra que, quando temos um porquê forte o suficiente, conseguimos enfrentar qualquer como. Em vez de questionar o que queremos da vida, devemos nos perguntar o que a vida espera de nós.