Maya Santana, 50emais
O tempo vai passando numa velocidade que a gente não consegue mais acompanhar. Já transcorreu um ano daquela sexta-feira, 20 de setembro, ainda tão vívida na memória, quando o meu irmão, 74 anos, sofreu um AVC, que paralisou seus movimentos do lado esquerdo. Eu me preparava para ir a um jantar de aniversário de um amigo, quando uma das minhas sete irmãs chegou aflita: “ Ele foi encontrado e está passando mal” – conseguiu me dizer, antes de desaparecer num pé só, escada abaixo.
Saí correndo atrás dela. Atravessei toda a casa, caminhei pelo terreiro e, sempre atrás da minha irmã, cruzei o portão que separa o casarão da família da casa do meu irmão. Subi a pequena rampa quase sem fôlego e, já no salão, pude ouvir minha irmã mais velha conversando com meu cunhado ao fundo. Lá, num quarto pequeno, atrás da porta aberta do armário, vi meu irmão deitado no chão. Senti as pernas amolecerem. Reconheci de imediato que havia sofrido um AVC, assim como presenciara acontecer com meu irmão mais velho, 15 anos atrás.
Começava ali uma noite para ninguém da família se esquecer. Meu irmão era forte e muito querido. Fazia exercícios físicos com regularidade, tentava não se descuidar da alimentação, há décadas não fumava mais nem consumia bebida alcoólica. Morava na casa de dois andares que ele mesmo construiu, há coisa de três anos, levando uma vida bastante ativa e,aparentemente,saudável. Por isso mesmo todos nós ficamos tão surpresos com essa doença repentina.
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Assim que foi encontrado, a situação evoluiu rapidamente: logo surgiu uma ambulância e, menos de 40 minutos depois, ele dava entrada em um hospital. Encaminhado para o CTI em estado crítico, passou 20 dias internado. Hoje,se eu tivesse que dar uma nota para o serviço médico, daria 10. Paramédicos, enfermeiras e médicos salvaram meu irmão.Todo o atendimento foi extremamente profissional. Vivíamos, então, um tempo em que o novo coronavírus não havia surgido, os hospitais ainda não estavam tão movimentados.
Um ano depois, a fisioterapia intensa, os exercícios de arte coordenados por uma das irmãs, o atendimento impecável no Hospital Sarah Kubistscheck surtiram resultado: meu irmão já senta sozinho na cama. E, com um andador, começa a dar os primeiros passos, auxiliado pela cuidadora e por uma órtese providenciada pelo hospital. Foram 12 meses movidos à força de vontade e esperança.
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Mas um aspecto dessa história continua me incomodando: meu irmão só foi encontrado 12 horas depois de sofrer o AVC. Mesmo morando ao lado da nossa casa, passou todo esse tempo estirado no chão, sem socorro. Quando ainda tinha saúde, ele costumava sair, às vezes até viajava, sem avisar. Assim, não nos pareceu estranho naquele dia ele não ter aparecido para almoçar, como fazia quase diariamente.
A preocupação só veio com o cair da noite. Nenhuma notícia. Meu cunhado, então, decidiu ir à casa do meu irmão. Acendeu todas as lâmpadas. Entrou em cômodo por cômodo até se deparar com ele caído no chão do inusitado quartinho, escondido num canto da casa. Os médicos calculam que o AVC tenha ocorrido entre 8/9 horas da manhã. Ele só foi encontrado por volta das 19h. Essa demora na assistência médica agravou em muito o seu estado de saúde.
Até hoje, carrego não só uma ponta de culpa por não ter podido acudir meu irmão antes, mas uma incômoda interrogação: como moro sozinha, já com 70 anos. Se passar mal, será que terei condições de avisar alguém?
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