Ingo Ostrovsky
50emais
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Um amigo do Amigo da Onça me disse esta semana que a Páscoa e seus ovos de chocolate são um excelente investimento: você compra 100 gramas e ganha 2 kg. Típico dele. Sou pela volta do Amigo da Onça. Neste dias de intensa polarização, acredito que ele daria uma importante contribuição ao debate e ao deboche, já que, cá prá nós, nosso debate anda um deboche!
O Amigo da Onça foi criado pelo cartunista Péricles na década de 40 do século passado e era presença constante na revista O Cruzeiro, então a de maior circulação no nosso país. Péricles de Andrade Maranhão foi um artista pernambucano atormentado que fez carreira nos Diários Associados, no Rio de Janeiro, onde morreu, em 1961 ao fechar as janelas e abrir o gás de seu apartamento em Copacabana. Deixou um bilhete na porta, escrito no estilo de sua famosa criação: “não risquem fósforos”. Péricles tinha 37 anos ao morrer.
Naquela época a onça já era o maior felino das Américas, animal bastante temido nas áreas rurais do Brasil. Hoje a onça corre o perigo de desaparecer. O crescimento das cidades dificultou a vida da onça, que precisa de grandes áreas para poder caçar e se alimentar adequadamente. Quem desmata como o brasileiro, certamente é inimigo da onça. Resultado: a onça se tornou o grande predador do gado no chamado Brasil rural, onde é implacavelmente caçada pelos senhores do agro.
Nos últimos anos surgiu um movimento de ambientalistas e verdadeiros amigos da onça com a missão de domesticar os dois lados: acostumar as onças à presença do homem e educar os criadores de gado e não atirar para matar. Os resultados são animadores. Uma peculiaridade desse enorme felino ajuda nesse processo. Aquelas manchas no corpo das onças são uma espécie de impressão digital, não existem duas onças iguais. Isso permite acompanhar as onças, saber por onde cada uma delas circula e “domesticá-las” para permitir a aproximação do homo-sapiens sem grandes perigos. Hoje os criadores de gado perguntam antes de atirar.
O Amigo da Onça, a criação de Pericles, era um sujeitinho magro, elegante, sempre com cigarrinho à mão, que destruía qualquer possibilidade de convivência pacífica entre pessoas ou situações. Com apenas uma frase acabava com casamentos, como, por exemplo, quando, com a maior cara-de-pau sugere a um marido “ligue para o dentista para saber se sua esposa realmente está lá…”. Dono de fina ironia, nada escapava ao seu desejo explícito de ver qualquer um “se dando mal”. Ele é o verdadeiro espírito de porco. No museu, uma senhora lhe diz “Esta peça tem 750 anos” e ele, prontamente retruca: “Foi a senhora quem fez?”
Péricles não gostava de política e, por isso, o Amigo da Onça, não se envolvia com essas questões. Em mais de mil ilustrações ao longo dos anos aparecia como operário ou patrão, rico ou pobre, ladrão ou policial. Sua posição era sempre a do provocador do vexame, sua simples presença levantava suspeitas, nunca infundadas. A popularidade da figura era tão grande que sobreviveu ao próprio Péricles e permaneceu na revista O Cruzeiro – no traço de Carlos Estevão – por mais de 10 anos depois da morte do seu criador.
Fico aqui pensando o que o Amigo da Onça diria a um comandante militar sobre a compra de 35 mil comprimidos de Viagra. Ou que tipo de comentário faria a respeito dos pastores do MEC que pediam propina para educar as crianças. Volta, Péricles!
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