Maya Santana, 50emais –
Otto Lara Resende teria feito 95 anos no dia primeiro de maio. Por isso, o jornal O Globo, através de um artigo de Claudia Peluffo de Amorim, homenageou esse escritor tão essencial e tão pouco lido no Brasil. Amigo de longa data de gênios das letras brasileiras, como Nelson Rodrigues, Fernando Sabino, Helio Pellegrino e Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende, mineiro que, como tantos, migrou para o Rio e lá ficou, é um dos nossos maiores escritores. Recentemente, por sugestão de um amigo, li “O Braço Direito”. Ambientado num reformatório no interior de Minas, é uma obra prima. Algumas de suas frases: “Abraço e punhalada a gente só dá em quem está perto”, “A tocaia é a grande contribuição de Minas à cultura universal”, “Deus é humorista” e “Aproximei-me do espetáculo político pelo que há nele de fascínio humano. A política talvez seja uma forma de tentar driblar a morte.” Salve Otto Lara Resende!
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jornalista e escritor Otto Lara Resende gostava de dizer duas frases sobre sua profissão: “Entrei no jornalismo exatamente como cachorro entra na igreja: porque achei a porta aberta” e “Sou jornalista, especialista em idéias gerais”. Para o amigo e escritor Fernando Sabino, Otto era o maior autor brasileiro de frases.
Mineiro de São João Del Rey,o quarto de 20 filhos de Maria Julieta de Oliveira e do professor, gramático e memorialista Antônio de Lara Resende se transferiu para o Rio de Janeiro logo após receber o diploma de Direito, em 1945. Mas, em Belo Horizonte, Otto já havia sido fisgado pelo jornalismo, tendo começado a trabalhar no “Diário” aos 18 anos, e editado o suplemento literário do “Diário de Minas”. Na então capital federal, ele trabalhou em jornais como “Diário de Notícias”, “Diário Carioca”, “Correio da Manhã”, “Última Hora”, O GLOBO (1977-1991), “Folha de S. Paulo”, “Jornal do Brasil” e na revista “Manchete”, onde exerceu ainda a função de diretor.
Otto também trabalhou na TV Globo por duas vezes, como diretor e apresentador. Teve dois programas: “O pequeno mundo de Otto Lara Resende”, em 1967, e “Jornal Painel”, entre 1977 e 1978, no qual entrevistava escritores, dramaturgos e poetas, como Pedro Nava, Vinícius de Moraes e Nelson Rodrigues. Este último, amigo de longa data de Otto, estava lançando o livro de crônicas “O reacionário”, que, no entanto, foi um dos últimos assuntos abordados na entrevista. Durante quase 30 minutos, Otto e Nelson conversaram sobre saúde, Brasil, morte, mas, principalmente, aquilo que mais os fascinava, o cotidiano das pessoas. Sobre Otto, Nelson Rodrigues disse: “A grande obra de Otto Lara Resende é a conversa; deviam pôr um taquígrafo andando atrás dele e vender suas anotações em uma loja”.
Essa relação foi, também, marcada por algumas polêmicas. Numa delas, o dramaturgo atribuía a Otto uma frase sempre refutada por ele: “O mineiro só é solidário no câncer”. A outra foi o título dado por Nelson a uma de suas peças: “Otto Lara Resende ou bonitinha mas ordinária”, de 1962. Otto, magoado com a homenagem dúbia, não foi ver a peça. Na montagem de 1991, porém, Otto compareceu à estreia de ”Bonitinha”, mas só porque tinha o filho Bruno entre os realizadores.
Nas letras, Otto fez parte de uma geração de escritores mineiros das mais fecundas na literatura brasileira e com três deles surgiu uma longa e afetuosa amizade: o cronista Fernando Sabino, o psicanalista e escritor Hélio Pellegrino e o poeta e também escritor Paulo Mendes Campos. O grupo foi definido por ele como “cavaleiros de um íntimo apocalipse”.
Eles se conheceram ainda muito jovens, em Minas Gerais, na década de 40, e se reencontraram para sempre no Rio, onde todos vieram morar e obtiveram reconhecimento nacional pela qualidade de suas obras. A confraria só se desfez pela morte de seus integrantes: Hélio Pellegrino em 1988, Paulo Mendes Campos em 1991 e Otto Lara Resende em 1992. Fernando Sabino morreu em 2004.
Em 1979, Otto Lara Resende teve suas qualidades literárias reconhecidas pela Academia Brasileira de Letras, ao ser eleito para a cadeira 39, vaga com a morte do jornalista Elmano Cardim. Sua posse, ocorrida em 2 de outubro, foi noticiada pelo GLOBO no dia seguinte, tendo o imortal cunhado durante a noite mais uma frase divertida: “Acho que sou o primeiro acadêmico a tomar posse com a presença dos pais. Afinal, tenho 57 anos…. Nasci em 1 de maio de 1922, no dia em que foi fundado o Partido Comunista. Era Dia do Trabalho, mas era feriado”.
Otto também foi adido cultural nas embaixadas do Brasil em Bruxelas (1957) e Lisboa (1966 a 1970), além de procurador do extinto Estado da Guanabara, integrando ainda o Conselho Curador da Fundação Roberto e do Instituto Moreira Salles. Só não acrescentou ao currículo o Ministério da Cultura porque recusou o convite do então presidente José Sarney. Em 1980, a Som Livre lançou o disco “Os quatro mineiros”, com a gravação de leituras de poemas e textos em prosa, que ele dividiu com os amigos Fernando, Hélio e Paulo.
O escritor era casado com Helena Uchoa Pinheiro, filha do ex-governador de Minas Israel Pinheiro (1966-1971), com quem teve Bruno, que se tornou advogado; Helena, jornalista; Cristina, coreógrafa; e André Lara Resende, um dos criadores do Plano Real. O escritor morou por mais de 20 anos no Jardim Botânico, e a Prefeitura do Rio o homenageou em 2004 dando seu nome a um largo no bairro, onde há uma estátua em tamanho real. Curiosamente, a escultura foi feita tendo Otto ao lado de um telefone, aparelho pelo qual o escritor tinha verdadeira ojeriza, por não permitir a solidão, “fundamental para a criação”.
Aos 70 anos, Otto morreu em 28 de dezembro de 1992, de uma parada cárdio-respiratória, provocada por uma embolia pulmonar. Tinha sobre o tema uma de suas frases mais primorosas: “A morte é, de tudo na vida, a única coisa absolutamente insubornável”.
Em 1996 o acervo de Otto Lara Resende foi doado pela família ao Instituto Moreira Salles. O material é formado por biblioteca de 7.097 itens e de arquivo com produção intelectual contendo 1.897 documentos, entre os quais manuscritos e páginas datilografadas em diferentes versões, além de correspondência com 8.360 itens que revelam o fiel missivista que foi.
Entre os principais livros, destacam-se: “O lado humano” (1952), “A boca do inferno” (1957), “O retrato na gaveta” (1962), “O braço direito” (1963), “O elo partido e outras histórias” (1991), “A testemunha silenciosa” (1995). Sua maior contribuição literária foi fundamentalmente escrita nos jornais e revistas nos quais trabalhou, mas foi na oralidade e em suas frases que ele passou de autor a personagem de nossa cultura.