50emais
O número de desdentados no Brasil não só está crescendo. Vai continuar a aumentar e a projeção de pesquisadores é que daqui a duas décadas e meia, em 2050, atingirá 44 milhões de brasileiros.
A informação surpreende porque o Brasil é um dos países que concentra o maior número de cirurgiões-dentistas do planeta: há um dentista para cada 735 habitantes, mais que o dobro recomendado pela Organização Mundial da Saúde.
Conversei com o doutor Nascimento, que atualmente vive em Singapura – onde é professor associado da Duke-NUS Medical School e investigador do Centro Nacional de Pesquisa em Saúde Bucal daquele país – sobre as implicações desse quadro. No trabalho, intitulado “Burden of severe periodontitis and edentulism in 2021, with projections up to 2050” (“Carga de periodontite severa e edentulismo em 2021, com projeções até 2050”) e publicado na revista científica Journal of Periodontal Research, fica evidente a necessidade de políticas públicas para zelar pela saúde oral dos brasileiros.
Qual é a relação da doença periodontal e a perda dos dentes?
A periodontite, conhecida popularmente como piorreia, é uma das principais causas de perda dentária no mundo. Embora grande parte das perdas ainda possa ser atribuída à cárie, a periodontite tem sido a principal causa entre adultos e idosos. Diferentemente da cárie, que geralmente está associada à dor dentária, a periodontite é uma doença “silenciosa”, cujos sintomas começam a afetar a qualidade de vida dos pacientes quando já está em um estado avançado, dificultando o tratamento e a manutenção dos dentes afetados.
O estudo mostra que a maior prevalência de edentulismo ocorre na América Latina e no Caribe. Qual é a posição do Brasil no que diz respeito à saúde da boca de seus cidadãos e quais são as projeções para 2050?
Curiosamente, o Brasil é um dos países que concentra o maior número de cirurgiões-dentistas do planeta: há um dentista para cada 735 habitantes, mais que o dobro recomendado pela Organização Mundial da Saúde. Apesar de todo o esforço e do crescente contingente de profissionais, e apesar de a prevalência permanecer estável para 2050, o número de pessoas sem dentes tende a aumentar de forma significativa. Serão 44 milhões de brasileiros nas próximas décadas, resultado do aumento populacional esperado.
Por que a periodontite e a falta de dentes são consideradas uma prioridade em termos de saúde pública? De que forma essas doenças estão relacionadas a outras enfermidades?
Ambas estão ligadas a um impacto negativo na qualidade de vida das pessoas, uma vez que alteram funções essenciais, como fala e mastigação, além de questões sociais que envolvem o ato de sorrir e se relacionar com o mundo à sua volta. Indivíduos afetados por formas severas de perda dentária e periodontite reportam isolamento social, o que muitas vezes leva a quadros depressivos, especialmente em idosos. Também temos observado uma forte associação entre perda dentária e periodontite com outras doenças sistêmicas, como diabetes, doenças cardiovasculares e suas complicações.
A periodontite é uma doença crônica e multifatorial, isto é, sua prevenção engloba diversos aspectos. Além da higiene bucal regular (escovação associada a algum método para limpar entre os dentes), é necessária a adoção de hábitos saudáveis, como não fumar ou consumir bebidas alcoólicas em excesso, manter uma dieta saudável com baixo consumo de açúcar, praticar exercício físico, controlar os níveis de hemoglobina glicada e triglicerídeos – como tantos outros hábitos que temos que adotar para evitar enfermidades como o diabetes e doenças cardiovasculares.
Em termos de saúde pública, que providências deveriam ser tomadas para mudar esse quadro?
O Brasil conta com a Política Nacional de Saúde Bucal, conhecida como Brasil Sorridente, que ampliou o acesso ao serviço odontológico. Entretanto, somente oferecer o acesso parece não estar sendo suficiente para diminuir a carga de periodontite e edentulismo no país. Há uma concentração de dentistas nos grandes centros urbanos, enquanto zonas afastadas sofrem com a escassez de profissionais. Perpetua-se a prática clínica voltada à lógica curativa e não à preventiva, ou seja, o dentista ainda passa mais tempo extraindo e restaurando dentes que prevenindo doenças. É preciso uma mudança de paradigma do atual modelo, que envolve a reestruturação dos currículos dos cursos de Odontologia, assim como uma melhor distribuição dos profissionais.
Leia também: Fernando Gabeira: Lula e eu estamos na idade da queda
Antônio Cícero optou pela morte assistida: ‘Minha vida se tornou insuportável’