Isabel Allende, 78, autora do extraordinário Casa dos Espíritos, entre outros, mostra sempre que é mais do que uma excelente escritora: é uma mulher de grande lucidez, capaz de ler a realidade como poucas. Filha de um diplomata primo-irmão do Presidento do Chile Salvador Allende (assassinado em 1973, pela ditadura liderada por Pinochet), Isabel nasceu em Lima, capital do Perú, mas a sua cidadania é chilena e também adotou a americana. Ela vive há décadas nos Estados Unidos.
O que você vai ler é um trecho de uma entrevista que a escritora deu. Perguntada sobre o medo da morte provocado pelo novo coronavírus, explicou que desde que sua filha Paula(ela escreveu um livro com esse título) morreu, há 27 anos, perdeu para sempre o medo da morte:
“Primeiro, porque a vi morrer em meus braços, e percebi que a morte é como o nascimento, é uma transição, um limiar, e perdi o medo no pessoal. Agora, se me pegar o vírus, eu pertenço à população mais vulnerável, as pessoas mais velhas, tenho 77 anos e sei que se me contágio eu vou morrer. Então a possibilidade de morte se apresenta muito clara para mim neste momento, eu a vejo com curiosidade e sem medo.
O que a pandemia me ensinou é a soltar coisas, a perceber o pouco que eu preciso. Não preciso comprar, não preciso de mais roupas, não preciso ir a lugar nenhum, nem viajar. Eu acho que eu tenho demais. Eu vejo à minha volta e digo pra quê tudo isso. Para que eu preciso de mais de dois pratos. Depois, perceber quem são os verdadeiros amigos e as pessoas com quem eu quero estar.
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O que você acha que a pandemia nos ensina a todos? Ele está nos ensinando prioridades e nos mostra uma realidade. A realidade da desigualdade. De como algumas pessoas passam a pandemia em um iate no Caribe, e outras pessoas estão passando fome.
Também nos ensinou que somos uma única família. O que acontece com um ser humano em Wuhan, acontece com o planeta, acontece com todos nós. Não há essa ideia tribal de que estamos separados do grupo e que podemos defender o grupo enquanto o resto das pessoas se esfrega. Sem muralhas, sem paredes que possam separar as pessoas.
Criadores, artistas, cientistas, todos os jovens, muitas mulheres, estão se colocando uma nova normalidade. Eles não querem voltar ao que era normal. Eles estão pensando em que mundo nós queremos. Essa é a pergunta mais importante neste momento. Aquele sonho de um mundo diferente: pra lá temos que ir.
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Eu percebi em algum momento que você vem ao mundo perder tudo. Quanto mais você vive, mais perde. Você vai perdendo seus pais primeiro, pessoas às vezes muito queridas ao seu redor, seus animais de estimação, lugares e suas próprias faculdades também. Não se pode viver com medo, porque te faz imaginar o que ainda não aconteceu e sofre o dobro. É preciso relaxar um pouco, tentar apreciar o que temos e viver no presente.”
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