Ingo Ostrovsky, 50emais
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Ponha-se no meu lugar: como é que eu vou fazer para não escrever sobre a pane das redes sociais que quase paralisou o mundo na semana que passou? Nem a final da Copa do Mundo consegue mexer com a vida de 3 bilhões de pessoas ao mesmo tempo. O desafio é enorme para quem – como eu – tem a pretensão de querer fugir da dura realidade do nosso noticiário. Você já deve ter lido bastante sobre o que aconteceu – e o que deixou de acontecer – nas 6 horas em que as principais ferramentas de comunicação instantânea ficaram ‘fora do ar’. Posso te prender aqui por longos minutos sem nada de novo a acrescentar.
Vou tentar mudar de assunto: domingo passado, o escritor e roteirista Antonio Prata lembrou na Folha de S.Paulo uma crônica de Rubem Braga, escrita em 1946, em que o mestre capixaba celebrava uma notícia daquela semana mas dedicava a maior parte do texto a narrar, com primor, o nascimento de um pé de milho…
Escolho o Lewis Hamilton para ser meu pé de milho nesta modesta crônica. Ele é um herói de domingo, percebe? Uns domingos atrás ele comemorou 100 vitórias na Fórmula Um, cem vezes em que ele teve um fim de semana prá lá de feliz. Hamilton foi o primeiro piloto a atingir essa marca. Ele já correu 282 GPs e subiu ao pódio 176 vezes.
Sir Lewis Carl Davidson Hamilton está com 36 anos e ano passado recebeu o título de cavaleiro da Ordem do Império Britânico, uma honraria concedida pessoalmente pela rainha Elizabeth II. Desde então ele passou a ser chamado de “Sir”, seguindo o protocolo internacional dessa honraria. Ele nunca esqueceu que na escola, quando era criança, tinha poucos colegas com a mesma cor de pele; quase nenhum. Hamilton, como outros esportistas que ganham muito dinheiro, resolveu dividir parte do que fatura para diminuir o fosso que separa os “bem” dos “mal” aquinhoados pela fortuna e pelas oportunidades. Alguns jogadores de futebol, muitos deles brasileiros, montam e sustentam escolinhas para crianças de baixa renda, oferecem refeições a quem tem pouca comida em casa e uma esperança de ser descoberto para, quem sabe, um dia marcar um gol de placa na vida.
Sir Lewis fez diferente. Decidiu investir em educação. Criou uma instituição, a Mission 44 (número de seu carro nas pistas) e descobriu que entre os 500 mil professores do Reino Unido apenas 2% são negros e só uma pequena minoria destes dá aulas de ciências, tecnologia, engenharia e matemática. Hamilton vai financiar a formação de 150 professores negros para lecionar essas disciplinas para que mais alunos negros se interessem por carreiras ligadas a esse conhecimento.
Hamilton sabe do que está falando. Já faz um tempo que ele batalha para aumentar o número de negros no seu esporte, que, aliás, é dos mais avançados em termos de tecnologia. São centenas de engenheiros e mecânicos altamente especializados trabalhando nas corridas e também nas fábricas responsáveis por colocar na pista os carros mais velozes do mundo. A Fórmula Um só vai seguir evoluindo se fôr mais inclusiva. Hamilton é apenas a pontinha desse imenso iceberg de talento escondido embaixo de um oceano de preconceito e falta de conhecimento.
É projeto para os próximos dois anos. Ninguém hoje sabe se Sir Lewis ainda estará pilotando em 2023, mas seu legado, olha que legal, poderá durar muito tempo.
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