Que tal refletirmos sobre o envelhecer, com orgulho por ter vencido os dias e chegado à plenitude que a idade trouxe?
Vânia Nacaxe
Exclusivo para o 50emais
Hoje percebi que o maior problema do envelhecer na contemporaneidade é a questão da supervalorização das aparências, estereótipos vazios de conteúdo e recheados de botox, cirurgias plásticas, silicones, próteses e viagras, numa ruptura da ordem do tempo legítimo diante da valorização da juventude, ou seja, as pessoas, principalmente as mulheres, buscam agregar às suas vidas ao que lhes confere a conotação de jovialidade. E acreditem, fazem de tudo pela beleza! Este mundo erotizado que nos tira do foco de somente viver até a ultima gota, felizes e plenos em nós mesmos.
Por que sentimos tanto abandono quando não nos enquadramos no conceito que nossas opiniões são ultrapassadas, sorrimos para tudo e para todos, mesmo não concordando com tudo, ou viramos ranzinzas e exalamos magoas e solidão?
Simone de Beauvoir escreveu um livro na década de 70, que se chama “A velhice”. A autora, uma filósofa e feminista que levantou várias bandeiras contra uma sociedade que escraviza principalmente as pessoas que entram na segunda metade da vida, impondo uma ditadura da beleza. Em seu livro ela vislumbrou um século e a variedade de diferentes nações e culturas para prover um claro e alarmante retrato da “vergonha secreta da sociedade.”
Esta visão não tão futurista, simplesmente nos levou a entender que, para não sermos um fardo, uma vergonha por estarmos envelhecendo, não somente compramos sapatos, roupas ou automóveis, mas também a juventude.
O nascer e o morrer são reais, algo natural. O que então necessitamos tanto transformar para sermos aceitos? O que precisamos fazer para nos aceitarmos? A vida tem início e fim, as rosas em botão são lindas mesmo, mas e as rosas abertas, que vão se esvaziando de suas pétalas até deixarem de serem rosas…não? Não podemos alterar a ordem da vida.
Eu virei uma “vovó mochileira” e tudo que ouço sobre meu livro “Passaporte para Vida” é como fui corajosa, como enfrentei meus medos e, principalmente, como consegui viajar sozinha pelo mundo de mochila, dormindo com pessoas mais jovens em albergues, hostels e algumas vezes em trens, sendo uma mulher de 60 anos. Como se isso fosse prerrogativa somente da juventude, que também sente dores nos joelhos, como eu. Viajei não como uma jovem de 21 anos. Viajei respeitando minhas limitações e minha idade, por isto deu certo. Eu me respeitei e quer saber? Minha data de nascimento só alimentou continuar vivendo!
No âmbito dessas transformações, observa-se uma quebra cultural intensa, que convoca ao desafio de substituir estereótipos, viajar de mochila é só para jovens, dançar é só para juventude, beleza tem prazo de validade, assim é que se desnaturaliza a velhice, vista como um problema, pois é preciso remodelar normas culturais que valorizem não apenas crianças e jovens, mas também os idosos. Aquela figura rejeitada, alimentada pela ideia de improdutividade e declínio é que deve ser transformada.
Manter-se jovial, sadio, belo, dentro de seus parâmetros naturais, aquilo que trouxemos em nosso DNA, cuidar da saúde para não ser fardo, deveria ser suficiente para fazermos parte da tal sociedade que exclui, não somente os idosos, mas jovens que não aceitam seus corpos,trazendo sofrimento e depressão, quando se está fora de um modelo exclusivo de beleza.
O pesar conferido ao envelhecer, a nostalgia da juventude e a noção de finitude, nos arrasta de volta para a
realidade. Parecer mais jovem hoje é a via que encontramos para sermos vistos, ouvidos e aceitos. Isto não é justo. Parecer mais jovem e esconder as marcas que o tempo nos trouxe é estigmatizar a velhice, como se fosse uma jornada de uma vida cheia de coisas negativas, que é preciso mudar. O fato é que temos algumas vantagens, temos experiência, vivência (quem pára para ouvir?). Mas o que estamos fazendo com toda essa bagagem? Eu a coloco na minha mochila e vou conhecer pessoas e lugares!
Há um contrassenso em relação às representações atribuídas ao idoso na sociedade. De um lado, percebe-se o prestígio que lhe é conferido, em razão da experiência e sabedoria acumuladas ao longo dos anos vividos; em contrapartida, tem-se a visão desse sujeito associada a estranhamento, rechaço e exclusão social.
Essa visão social do idoso como um indivíduo improdutivo e desvalorizado permanece na atualidade, se ele ou ela não estiver no padrão de beleza ou não tiver uma bagagem anterior (fama) para suportar as mudanças, sofre muito, se isola e o que seriam os melhores anos8 transformam-se em dias intermináveis de lamentações e espera ansiosa pelo fim da vida.
Então, que tal refletir acerca do envelhecer e das diversas novas perspectivas que se desdobram em sorrisos e orgulho por vencer os dias e chegar à plenitude que a idade trouxe? No livro de Salmo, capítulo 90, verso 12, Moisés pede a Deus para ensiná-lo a contar os seus dias, para que alcançasse a sabedoria. Ensina-nos a contar os nossos dias para que o nosso coração alcance sabedoria. Salmos 90:12 Que alcancemos plenitude e paz somados aos nossos preciosos anos de vida, com beleza e essência boa de se ter por perto!
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