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Eles representam o sonho talvez da maioria das pessoas: viver muito, com uma boa memória. São os chamados superidosos, homens e mulheres que passam dos 80 anos, mas conservam uma capacidade mental de pessoas 20 ou 30 anos mais jovens.
E como pode ser explicado a existência de pessoas assim, que conseguem driblar o que acontece com a maioria dos humanos.
É que os superidosos se mantêm “fisicamente ativos, tendem a ser positivos, desafiam seu cérebro e aprendem algo novo todos os dias. Muitos continuam trabalhando até os 80 anos.”
Por outro lado, um estudo recente mostra que esse grupo de idosos longevos com boa memória possui um agrupamento de neurônios maior do que o normal.
Por isso levam vantagem sobre o resto dos mortais, quando se trata de viver mais e melhor.
Leia o artigo de Mercè Pallàs Lliberia e Christian Griñán-Ferré, publicado pela BBC Brasil:
Para além deste desejo humano, a existência dos chamados “superidosos” representa um desafio e uma oportunidade para compreender a raiz da saúde cerebral e do envelhecimento saudável.
Os superidosos são pessoas com mais de 80 anos que mantêm características físicas e cognitivas de um adulto 20 a 30 anos mais jovem.
Mas o que os torna tão resistentes à deterioração cerebral?
Os mecanismos epigenéticos são modificações químicas no DNA produzidas por mudanças no ambiente (físico ou cognitivo) e que modulam a expressão dos nossos genes.
Desta maneira, nosso suposto destino na forma de informação genética pode ser reescrito — assim como pontuamos um texto — pelas ações de nossa vida cotidiana. E, além disso, podem ser herdados por nossos descendentes.
Mas vamos ver o que acontece com nosso cérebro ao longo da vida.
Um órgão de maturação lenta
Diferentemente de outras espécies, o cérebro humano ainda deve se desenvolver após o nascimento. É um processo lento, que começa na concepção e não termina até a morte, embora atinja a maturidade aproximadamente entre os 20 e 24 anos.
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Como sabemos, nosso órgão pensante é formado por neurônios conectados entre si e outras células nervosas que servem de suporte e defesa (os astrócitos e a micróglia).
Temos cerca de 10 trilhões de neurônios que funcionam como uma grande rede de informações, armazenamento e gerenciamento da nossa vida cotidiana. Garantir sua integridade requer mecanismos de proteção e regeneração.
Até alguns anos atrás, acreditava-se que, uma vez atingida a maturidade cerebral, não havia mecanismos para substituir neurônios e reparar conexões perdidas. Não poderia estar mais longe da realidade: hoje sabemos que o cérebro tem áreas específicas (nichos) em que células progenitoras (células-tronco) podem ajudar a reparar ou substituir neurônios que degeneram ou são danificados.
A existência de mecanismos de proteção não impede que esses nichos progenitores deixem de repor neurônios com a idade. Por isso, o cérebro de uma pessoa idosa tem menos capacidade de regeneração, o que se traduz em uma diminuição da capacidade cognitiva.
De qualquer forma, as pessoas só costumam sofrer um declínio cognitivo grave quando a perda de neurônios é muito elevada devido a uma doença degenerativa, como o Alzheimer.
O surpreendente é que essa perda inexorável não implica em alterações graves na qualidade de vida dos superidosos, o que aumenta sua resiliência e reserva cognitiva.
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Chamamos de reserva cognitiva a capacidade do nosso sistema nervoso central de equilibrar e otimizar seu funcionamento para enfrentar doenças neurodegenerativas. Esta capacidade também está associada a fatores como a atividade intelectual: ler, escrever e socializar.
De onde vem o superpoder dos superidosos?
Parece que os superidosos compartilham hábitos semelhantes: eles se mantêm fisicamente ativos, tendem a ser positivos, desafiam seu cérebro e aprendem algo novo todos os dias. Muitos continuam trabalhando até os 80 anos.
Além disso, evidências científicas destacam a importância de permanecermos socialmente engajados à medida que envelhecemos. Atividades como visitar familiares e amigos, ser voluntário em uma organização e sair para diferentes eventos foram associadas a uma melhor função cognitiva.
Em contrapartida, uma baixa participação social em idades avançadas implica um maior risco de demência.
Tudo isso respalda a ideia de que o ambiente é um fator importante em nosso envelhecimento.
Neurônios de alto desempenho
Por outro lado, um estudo recente mostra que os superidosos possuem um grupo de neurônios maior do que o normal em uma estrutura cerebral envolvida na preservação da memória (camada 2 do córtex cerebral entorrinal). Essas células nervosas poderiam estar relacionadas ao conceito de reserva cognitiva.
A pesquisa indica que essa característica do superidoso não é observada em pessoas da mesma idade com declínio cognitivo, tampouco em indivíduos entre 60 e 65 anos que começam a apresentar lapsos de memória. Além disso, é significativo que esta área do cérebro seja uma das mais afetadas pelo declínio neuronal que caracteriza o Alzheimer.
Os cientistas também observaram que esses superneurônios não apresentam as características próprias do envelhecimento em doenças neurodegenerativas como o Alzheimer. Nesse caso, o acúmulo anormal de proteínas (tau e beta-amiloide) no tecido cerebral causa a morte dos neurônios.
Tudo isso explicaria por que a degeneração neuronal não acontece nos superidosos — ou pelo menos não no ritmo típico de uma pessoa idosa — e por que eles mantêm as habilidades cognitivas de uma pessoa 20 ou 30 anos mais jovem.
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A descoberta dos superneurônios também levanta a seguinte questão: se podemos favorecer seu aparecimento durante o neurodesenvolvimento ou na infância. A combinação de ambos os fatores — a prática de hábitos sociais saudáveis e a existência de células nervosas excepcionais — abre as portas para que haja alguma influência em nossos genes herdados por meio de mudanças epigenéticas.
Também seria interessante saber se os neurônios XL poderiam constituir — por presença ou ausência — um marcador do Alzheimer e de outras demências, tanto da sua progressão quanto da resposta a terapias. E, por fim, se serviriam de alvo para encontrar novos tratamentos.
* Mercè Pallàs Lliberia é professora especializada em neurofarmacologia, envelhecimento e Alzheimer na Universidade de Barcelona, na Espanha.
Christian Griñán-Ferré é professor e pesquisador especializado em envelhecimento e Alzheimer na Universidade de Barcelona.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons.Leia aqui a versão original (em espanhol).T.TY