
Márcia Lage
50emais
Duas notícias divulgadas nos últimos dias alertam para as dificuldades que teremos de enfrentar ( já estamos enfrentando) para sobrevivermos ao aquecimento global: uma é do cientista inglês Hugh Montgomery, que prevê uma possibilidade de extinção em massa maior e mais rápida que a do período Permiano (299 a 251 milhões de anos atrás) quando 90% das espécies sucumbiram às condições drásticas do clima. Ele estima que a extinção, agora, pode chegar a 70%, se a humanidade não conseguir reverter as condições que provocaram esse desequilíbrio ambiental.
A outra notícia veio do IBGE e tem relação direta com a má vontade generalizada em frear esse desatino causado pelas emissões de gás carbônico, poluição dos mares, desmatamento, queimadas e etc. O aquecimento global já chegou à metade da meta considerada limite, que é 3ºC.
O calor nas cidades está cada vez mais insuportável e nenhuma medida paliativa (porque as preventivas já não foram tomadas) está sendo aplicada para reduzir os impactos na saúde humana e na de espécies animais e vegetais ameaçadas.
De acordo com os dados sobre infraestrutura urbana divulgados essa semana pelo IBGE, 58,7% da população brasileira vive em ruas desarborizadas. Essas ruas, no entanto, são pavimentadas (88,5% dos habitantes das cidades trafegam em asfalto sob o sol ardente).
Pelo caminho, 78,2% dos pedestres ainda têm que saltar obstáculos. Ou são ruas sem calçadas ou com calçadas mal construídas, esburacadas, com irregularidades de pavimentação e altura, larguras inadequadas, entraves físicos para a livre circulação e sem rampas para cadeirantes (68,8%).
Um dado que o IBGE considerou relevante é que 53,7% da população urbana já tem rede de esgoto e bocas de lobo nas ruas. Só não mediu o fedor que exala desses bueiros quando o calor aumenta.
Numa das crônicas que escrevi para o livro “A Tal da Terceira Idade”, lançado pelo selo 50emais em formato de E-book, no ano passado, eu menciono a necessidade de um choque de infraestrutura urbana que o Brasil precisa implementar, não só para reduzir o impacto do clima nas cidades, mas para oferecer aos cidadãos uma qualidade de vida adaptável aos sofrimentos que estão por vir.
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A primeira e a mais importante delas é o investimento urgente em transporte de massa. A opção por ônibus a diesel já não atende mais às necessidades de deslocamento rápido e confortável da população. A frota é ultrapassada, barulhenta, muitas vezes sem ar condicionado, demorada.
Isso leva o brasileiro a lançar mão de recursos individuais que só aumentam a emissão de CO2: carros velhos e motos são as alternativas de transporte ao alcance da maioria. E estão lotando as vias urbanas, cada vez mais caóticas.
Outro dia, parada num sinal, fui cercada por 12 motociclistas, que se posicionaram à frente e à minha direita e esquerda, perigosamente colados aos meus retrovisores. Das 12 motos, oito levavam pessoas na garupa e quatro eram dirigidas por mulheres. Tenho observado o grande aumento delas nesse tipo de transporte, usado também como forma de renda em trabalhos precários de entrega de mercadorias e moto-taxis.
O crescimento da frota de motocicletas num país é o atestado mais claro de seu subdesenvolvimento. Em 2024, o Brasil vendeu 1.875.903 motos, 18,6% a mais em relação a 2023. No primeiro semestre deste ano quase 500 mil novas motos saíram às ruas, num aumento recorde de 9,6% das vendas em relação ao mesmo período de 2024.
Embora esses números aqueçam a economia, aquecem também a atmosfera com mais emissão de gazes poluentes (além do barulho) e também pressionam o serviço público de saúde com o grande número de acidentes que provocam.
Nem vou encher a paciência do leitor com números sobre o aumento das vendas de carro, que também seguem altos. O que eu estou querendo demonstrar com esse raciocínio é que o Poder Público deixou ao povo a responsabilidade de decidir sobre transporte, arborização e construção de casas, fossas e calçadas nas periferias, quando o Planeta exige planejamento igualitário e duradouro para o enfrentamento da crise climática.
Há muito o que pensar sobre a forma de construção a que estamos habituados, aos investimentos em equipamentos urbanos, à pavimentação das ruas (tão exaltadas e tão erradas, por serem impermeabilizantes do solo), à coleta do lixo, às fontes alternativas de energia e, até mesmo, à mudança dos horários de funcionamento do comércio, das escolas, dos serviços públicos, poupando a população de deslocamentos desumanos entre 10h da manhã e cinco da tarde. Nem quero mencionar a explosão de câncer de pele que está para acontecer.
Essa será apenas uma das nossas formas de extinção.
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