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Crônica de DomIngo: Falta bom Censo

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Como é que pode um país rico como este não ter dinheiro para tirar uma selfie?

Ingo Ostrovsky, 50emais

Ficamos sabendo oficialmente esta semana que não haverá Censo em 2021 no Brasil, por falta de grana. Isso mesmo, grana, din-din, bufunfa, erva, gaita, caraminguá, pataca, paus, pratas, “isso que o francês chama l’argent”, como já cantava Nora Ney num samba mais antigo que eu.

Como é que pode um país rico como este não ter dinheiro para tirar uma selfie? Apenas uma foto de si mesmo no exato instante em que tudo isso que você sabe, está acontecendo. Censo é assim tipo um momento de egolatria. No passado foi um instantâneo em preto e branco, uma fotinha 3 x 4, é coisa bem antiga. É a maneira criativa que encontramos para responder uma das grandes questões da nossa existência: você sabe com quem está falando?

Só o Censo permite que essa dúvida, normalmente de cima para baixo, possa ser decifrada de baixo para cima e sem ponto de interrogação. Você sabe sim com quem está falando: está falando comigo, sou o brasil brasileiro, sou o mulato inzoneiro, vou cantar-me em versos, frases, palavras, números. Simples assim!

O recenseador, esse personagem que a gente descobre a cada dez anos, é o verdadeiro Voluntário da Pátria. Vai de gaiola em gaiola, de casebre em casebre, de barraco em barraco, de flat em flat, de cobertura em cobertura e descobre se tem educação, saúde, água encanada, luz, tv, comida na geladeira, gás, se o fogão tem uso, quantos dormem em cada cama, se há camas, se há felicidade, alegrias, tristezas ou só ratos, baratas e mosquitos.

Para isso não há dinheiro.

É perda de tempo enumerar as coisas para as quais há dinheiro. Seria vergonhoso enfileirar aqui, só como exemplo, o que se gasta em viagens presidenciais, vice-presidenciais, ministeriais, senatoriais, deputadais federais, estaduais e outras mais, apenas rimas, longe de ser solução. Se cada viagem dessas fosse acompanhada por uns 5 recenseadores, do Oiapoque ao Chuí, já teríamos meia selfie andada, talvez até mais.

Não faremos o detalhamento dessas viagens, claro, temos vergonha na cara.

Vamos ficar na desigualdade, não essa que enche estudos sociológicos e preocupa aqueles que estudam a nossa pobreza. Vamos ficar na desigualdade do nosso esporte favorito, dos nossos torneios de futebol quando comparados a competições de outro mundo, como a Champions League européia.

Desigualdade é 12 grandes clubes de futebol da Inglaterra, Espanha e Itália formarem uma Superliga – já naufragada – para disputar um torneio em que o último colocado – repito, o último colocado – receberia um prêmio de 350 milhões de euros. Multiplique por 7 para ter o montante em reais, moeda que os europeus conhecem como uma das que mais se desvalorizou na pandemia.

Se cada clube daqueles ganhar apenas o menor prêmio, eles movimentariam o que custa nossa selfie querida e ainda sobraria um trocado para organizar um Fla Flu com portões abertos, quando o Maracanã puder receber público novamente. Se as torcidas sobreviverem, claro.

Dizem que no Brasil “o buraco é mais embaixo”. Sem o Censo não poderemos confirmar ou negar isso. Não saberemos nem com quantos paus se faz uma canoa!

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