
Aos 58, a atriz vai dirigir “Sexa”, uma “comédia inteligente” sobre o preconceito de idade. Foto: Leo Aversa/O Globo
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Depois de um longo caminho trilhado na dramaturgia brasileira, a atriz Glória Pires, aos 58 anos, prepara-se para dirigir o seu primeiro filme, Sexa, uma “comédia inteligente” em torno da pressão pela eterna juventude feminina. “Quero falar de idade, dessa luta contra o tempo em que muitas mulheres ainda estão, da ideia de que só a juventude e a pele esticada são boas, da pressão pela perfeição,” resume ela.
Glória fala também do fato de, finalmente, ter se tornado grisalha, deixando para trás de vez a “chatice” de ter que ir com frequência ao salão para pintar os cabelos. Os cabelos brancos foram plenamente aprovados pelo marido, Orlando Morais: “Ela ficou mais linda ainda. Além do mais, a gente mora num país machista onde não existe outra mulher a não ser a jovem. Gloria quer ter cada vez menos artifícios que colaborem para esse olhar carimbado,” diz ele nesta reportagem de Maria Fortuna para O Globo.
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Glória Pires tem escolhido levar para o trabalho questões que dialogam com a mulher que ela é hoje, aos 58 anos. Tanto que vai estrear como diretora de cinema em um filme que discutirá a pressão pela eterna juventude feminina. Batizado de “Sexa”, o longa é uma comédia de Guilherme Gonzales, gira em torno de uma “sexagenária sexy” e parte da premissa de que “existe vida após os 60 anos”, resume a atriz.
— Quero falar de idade, dessa luta contra o tempo em que muitas mulheres ainda estão, da ideia de que só a juventude e a pele esticada são boas, da pressão pela perfeição — explica a atriz, que também vai protagonizar o longa, uma produção da Giros Filmes, em parceria com a Audaz Filmes, prevista para ser rodada ainda este ano.
Na trama, três mulheres de idades diferentes (50, 60 e 80) questionam os padrões com humor, recurso que, na opinião de Gloria, permite absorver lições profundas com leveza.
— É uma comédia inteligente em que a gente ri de si mesma e, ao mesmo tempo, traz questões que as mulheres estão passando. A vida é séria, mas não quer dizer que temos que andar com uma pedra em cima da cabeça o tempo todo, né? — diz ela, que provou ter fair play quando transformou em camisa o meme “Não sou capaz de opinar”, inspirado em frase que repetiu durante sua participação na transmissão do Oscar de 2016.
As reflexões sobre a passagem do tempo também aparecem, literalmente, na cabeça de Gloria, que deixou de pintar os famosos cabelos pretos. Era uma decisão que ela adiava havia tempos por conta do trabalho, mas que a pandemia permitiu (“era uma chatice correr para o salão a cada dez dias porque estava nascendo um cabelinho branco”).
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Agora, ostenta orgulhosa os fios grisalhos. Embora tenham lhe dado um ar chique, eles não são são unanimidade ao redor da atriz. O marido, o músico Orlando Morais, curtiu:
— Ela ficou mais linda ainda. Além do mais, a gente mora num país machista onde não existe outra mulher a não ser a jovem. Gloria quer ter cada vez menos artifícios que colaborem para esse olhar carimbado.
Já Bento, filho caçula do casal, vive pedindo para a mãe voltar a tingir os fios.
— Acho bonitinho porque ele diz: “Você ainda é jovem”. Talvez isso passe pela constatação de que os pais estão ficando velhos — analisa. — Mas se quero fazer algo, faço. Ao redor, as coisas se acomodam. Acho que precisamos saber o que faz sentido para a gente. Se colocamos no olhar, na fala ou na ação do outro algo que buscamos, não estamos realmente buscando, mas pedindo autorização para seguir naquele caminho. Há mais espaço para falar disso hoje e também já se desmistificou a história de que quem não pinta cabelo é uma pessoa relaxada, que se entregou.

‘Estou com 58 anos, cheguei aqui aos trancos e barrancos, caindo e levantando, sofrendo. É daqui para frente!.’ Foto: Leo Aversa
Além de estar se sentindo bonita, Gloria diz que o novo cabelo a faz se ver num lugar mais confortável hoje, que faz mais sentido para ela agora.
— Parece que o cabelo branco me autorizou, sabe? A dizer não, a fazer o que acho que preciso e me faz bem. A ser, a falar e a vestir coisas que queria, mas me sentia meio fora de lugar. Eles são uma realidade. Estou com 58 anos, cheguei aqui aos trancos e barrancos, caindo e levantando, sofrendo. É daqui para frente, sabe?
Não que chegar a esse desprendimento tenha sido fácil. Na verdade, a caminhada sempre passa passa pela desconstrução de padrões internos. Gloria, por exemplo, foi uma “crítica ferrenha” da tecnologia HD na televisão (“é algo feito para entender o sexo das amebas e não para colocar na cara das pessoas, né?”) e não nega que já recorreu a procedimentos estéticos.
— Já fiz cirurgia, me cuido à beça. Mas sempre tive receio de novidades milagrosas. Agora, estão tomando um remédio de diabetes para emagrecer. Tenho medo. Sabe o que eu faço? Deixo a vontade de experimentar passar. Já passei pela época em que queria fazer cirurgia no nariz e tirar costela. Fiquei sentadinha, esperando a vontade passar — brinca. — Volto para o espelho e entendo se aquela pelanca, realmente, está me incomodando. Quando conheço algo que me dá segurança, faço. Mas com sutileza, não quero perder a minha referência. As redes sociais pioraram muito esse negócio. As pessoas ficam se vendo, se fotografando o tempo todo e começam a pirar nessa história de querer ficar com a cara do filtro.
Mas vão muito além da estética os assuntos do universo feminino que Gloria deseja abordar. No filme, “A suspeita”, que estreou na última quinta-feira (16) e marca o début da atriz na produção de cinema, ela encarna Lúcia, uma comissária da polícia civil acusada de um crime. Em meio aos esforços para provar sua inocência e desmascarar colegas de trabalho corruptos, ela, que abriu mão de construir uma família por conta dos riscos da profissão, descobre que sofre de Alzheimer.
— Buscamos a sensação de alguém que se perde o tempo todo nesse não lugar, a angústia, a solidão. Queríamos falar dessa mulher não glamourizada, que se vê na posição contrária aos homens. Porque eles têm pouco a abrir mão da vida pessoal, tudo se ajusta para que tenham espaço para criar, viajar em busca da melhor oportunidade. A mulher está sempre mais limitada, como se filhos e casa fossem coisas só dela — critica Gloria, que ganhou o Kikito de melhor atriz no 49º Festival de Gramado com o papel, numa atuação em que se destacam os apagões da personagem em cenas regadas a um silêncio angustiante.
Diretor do longa, Pedro Peregrino, que já tinha dirigido a atriz na série “Segredos de Justiça”, diz que o olhar da atriz foi fundamental para a condução do projeto.
— Estávamos fazendo um filme feminino, eu precisava estar atento a tudo que vinha dela. É muito talento, experiência e generosidade reunidos na mesma atriz.
Foi Gloria, inclusive, que identificou a necessidade de regravar uma passagem em que Lúcia não teve o protagonismo que merecia. Há, portanto, fortes indícios de que a atriz, produtora também de filmes como “Vovó ninja” e “Desapega”, está mais que pronta para estrear na direção. Coisa que o colega de profissão e amigo Tony Ramos percebeu há tempos.
— Glorinha está preparada para tudo, dirigir cinema, TV… Ela vem produzido, está no mercado e atenta. Estamos falando de Gloria Pires, uma das maiores. Uma atriz brasileira que conhece a gente brasileira e nunca teve vergonha de ser popular — define Tony, parceiro dela em projetos de sucesso como a novela “Belíssima” e os filmes “Se eu fosse você” (1 e 2). — Fico aqui buscando adjetivos para dizer o quanto admiro a Gloria atriz, mãe e mulher, uma a pessoa que a gente sabe que é do bem.