
50emais
Francisco, falecido na manhã(horário italiano) desta segunda-feira, 21 de abril, horas depois de ter abençoada e desejado “Feliz Páscoa” às milhares de pessoas que reuniram na Praça de São Pedro, no Vaticano, mudou para sempre a Igreja Católica
Como registra a imprensa, “a eleição do cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio como 266º Papa, após a renúncia de Bento XVI, representou um ponto de virada na Igreja Católica.”
“Primeiro Pontífice latino-americano, assim como o primeiro a adotar o nome Francisco — em homenagem ao santo padroeiro dos pobres —, seus 12 anos à frente do Vaticano foram marcados por importantes reformas e uma maior conexão com os problemas globais. Francisco, afirmou o especialista em Vaticano Filipe Domingues, “retomou o projeto de uma Igreja que fala para o mundo”, afirma o Globo.
Leia a reportagem completa da BBC News Brasil sobre o desaparecimento do Papa Francisco:
Morreu nesta segunda-feira, 21/04, aos 88 anos, o papa Francisco, primeiro papa sul-americano e não europeu da história da igreja Católica.
No último domingo (20/4), Domingo de Páscoa, ele fez uma aparição pública na Praça São Pedro, no Vaticano, e desejou “Feliz Páscoa” aos milhares de fieis que estavam no local.
Após a bênção, o Papa foi conduzido pela praça. Ao passar pela multidão, sua procissão parou várias vezes para que bebês fossem trazidos para ele abençoar.
Francisco havia sido internado no hospital Gemelli, em Roma, em fevereiro deste ano para passar por tratamento e exames de bronquite. Após algumas semanas de internação, ele recebeu alta.
Em março de 2023, o papa já havia passado três noites no mesmo hospital, para tratar também de uma bronquite.
A ascensão do papa Francisco ao trono de São Pedro foi uma ocasião carregada de ineditismos, o que alimentou o debate sobre a liderança da Igreja Católica.
Aos 76 anos de idade, o cardeal Bergoglio da Argentina se tornou o primeiro pontífice das Américas e do hemisfério sul em 2013. Converteu-se também no primeiro papa jesuíta — ordem que, historicamente, era vista com desconfiança por Roma. Desde a morte de Gregório 3º, nascido na Síria em 741, todos os papas haviam sido europeus.
Outro fato inusitado: o antecessor de Francisco, Bento 16, havia sido o primeiro papa a renunciar em quase 600 anos. Por quase uma década, portanto, os jardins do Vaticano foram lar de dois papas.
Findo o pontificado conservador de Bento 16, muitos católicos presumiram que o papa seria um homem mais jovem. Bergoglio se apresentou como um candidato de centro: apaziguando os conservadores com visões ortodoxas sobre questões sexuais, ao mesmo tempo que acenava aos reformadores com posições liberais a respeito de justiça social.
Esperava-se que seu histórico pouco ortodoxo ajudasse a rejuvenescer o Vaticano e revigorar sua missão sagrada. Porém, dentro da burocracia do Vaticano, algumas das tentativas de reforma de Francisco encontraram resistência e seu antecessor permaneceu popular entre os tradicionalistas.
Desde o momento de sua eleição, Francisco indicou que faria as coisas de forma diferente. Recebeu seus cardeais informalmente e de pé, em vez de sentado no trono papal.
Em 13 de março de 2013, o papa Francisco apareceu na sacada com vista para a Praça de São Pedro. Vestido simplesmente de branco, ele usava um novo nome que homenageava São Francisco de Assis, o pregador do século XIII e amante dos animais.
Franciso queria que seu papado fosse marcado pela humildade e não pela pompa e cerimônia. Após sua eleição, dispensou a limusine papal e insistiu em voltar com o ônibus que levava outros cardeais de volta para casa.
O novo papa estabeleceu uma missão moral para o rebanho de 1,2 bilhão de pessoas. Em sua primeira audiência com a imprensa, poucos dias após sua escolha, disse: “Como eu gostaria de ter uma Igreja pobre para os pobres”.
Quase dez anos depois, Francisco, ainda em vida, presidiu o funeral de seu antecessor. Semanas antes, ele havia revelado ter escrito uma carta de renúncia, caso ficasse impossibilitado de exercer suas funções por razões médicas.
Um papa devoto do futebol
Jorge Mario Bergoglio nasceu em Buenos Aires, Argentina, em 17 de dezembro de 1936, o primogênito de cinco filhos. Seus pais haviam fugido de sua terra natal, a Itália, para escapar do fascismo.
Bergoglio gostava de dançar tango e se tornou torcedor do San Lorenzo, seu clube de futebol local.
Teve a sorte de escapar com vida após um grave ataque de pneumonia, sendo submetido a uma operação para remover parte de um pulmão. Isso o deixaria suscetível a infecções por toda a vida.
Devido à sua idade avançada, também sofria de dores no joelho direito, que descreveu como uma “humilhação física”.
O jovem Bergoglio trabalhou como segurança de boate e varredor de chão, antes de se formar como químico.
Em uma fábrica, trabalhou ao lado de Esther Ballestrino, bioquímica e ativista política que se opunha à última ditadura militar argentina (1976-1983). Ballestrino, uma das vítimas de desaparecimento forçado do regime, foi torturada e seu corpo nunca foi encontrado.
Bergoglio abraçou a ordem dos jesuítas, estudou filosofia e lecionou literatura e psicologia. Ordenado uma década depois, foi promovido rapidamente, tornando-se superior provincial da Argentina em 1973.
Muitos o criticaram por não fazer uma oposição mais veemente ao brutal regime dos generais argentinos.
Bergoglio foi acusado de envolvimento no sequestro de dois padres por agentes do regime, durante a chamada Guerra Suja, no qual as forças armadas do país prenderam, torturaram e assassinaram dezenas de milhares de pessoas.
Os dois padres também foram torturados, mas acabaram sendo encontrados vivos, fortemente sedados e seminus.
Bergoglio foi acusado de não ter informado às autoridades que o trabalho deles em bairros pobres havia sido endossado pela Igreja. Por essa razão, os padres teriam ficado abandonados à sua própria sorte e aos esquadrões da morte.
Bergoglio sempre negou categoricamente essa alegação, insistindo que havia trabalhado nos bastidores para libertá-los. Perguntado por que não havia protestado junto às autoridades, ele teria se referido à situação difícil.
A verdade é que, aos 36 anos de idade, Bergoglio se vira imerso em um caos que teria desafiado mesmo o líder mais experiente. Em outras ocasiões, o religioso ajudou muitos ativistas que buscavam fugir do país.
Bergoglio também era mal-visto por alguns jesuítas que achavam que lhe faltava interesse na chamada teologia da libertação — uma síntese do pensamento cristão e da sociologia marxista que buscava derrubar a injustiça. Ele certamente preferia uma forma mais suave de apoio pastoral.
Às vezes, essa divergência beirava um precipício. Quando Bergoglio determinou que tentaria se eleger papa, em 2005, alguns jesuítas deram um suspiro de alívio.
Em 1992, Bergoglio foi nomeado bispo auxiliar de Buenos Aires e depois se tornou arcebispo. Em 2011 foi nomeado cardeal pelo papa João Paulo 2º e assumiu diversos cargos na Cúria, o corpo administrativo do Vaticano.
Diplomacia papal e justiça social
O cardeal argentino cultivou a reputação de um homem de gostos simples: viajava de avião na classe econômica e preferia usar a batina preta de padre, em vez do vermelho e roxo correspondentes ao seu novo cargo.
Em seus sermões, pedia inclusão social e criticava os governos que descuidavam dos mais pobres da sociedade. “Vivemos na parte mais desigual do mundo, a que mais cresceu, mas a que menos reduziu a miséria”, ele teria dito em uma conferência de bispos latino-americanos em 2007, segundo o National Catholic Report.
Como papa, Francisco buscou remediar a ruptura de mil anos com a Igreja Ortodoxa Oriental. Em reconhecimento, pela primeira vez desde o Grande Cisma de 1054, o Patriarca de Constantinopla participou da instalação de um novo Bispo de Roma, como também é chamado o papa.
Além disso, colaborou com anglicanos, luteranos e metodistas e até convenceu os líderes israelense e palestino a orar juntos pela paz.
Durante uma visita a Belém em maio de 2014, Francisco quebrou o protocolo oficial ao descer do carro que lhe transportava à praça da Manjedoura e rezou em silêncio com a cabeça apoiada no muro que separa Belém de Jerusalém. Depois convidou o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, e o presidente israelense, Simon Peres, a orar juntos pela paz no Vaticano — ambos anunciaram que aceitaram a oferta.
Francisco evitava mencionar o islã quando se pronunciava sobre atos violentos jihadistas. Em 2016, declarou a jornalistas que não era justo associar a religião do profeta Maomé à violência. “Se falo de violência islâmica, também tenho de falar da violência cristã. Em quase todas as religiões, há sempre um pequeno grupo de fundamentalistas. Nós também os temos,” disse.
O papa argentino reforçou a reivindicação do seu país sobre as ilhas Malvinas — cuja posse motivou uma guerra entre Argentina e Reino Unido em 1982 — ao deixar-se fotografar em 2015 com um cartaz que pedia uma solução negociada entre as duas nações.
Como arcebispo de Buenos Aires, Bergoglio costumava rezar pelos veteranos a cada aniversário do conflito. Em 2012, antes de tornar-se papa, disse durante uma dessas ocasiões: “Viemos rezar pelos que caíram, filhos da pátria que foram defender a sua mãe, a pátria, a reclamar o que é seu, da pátria, e lhes foi usurpado”.
Além disso, como líder global da América hispânica, mediou uma aproximação do governo de Barack Obama com o governo cubano. Um papel que dificilmente poderia ser cumprido por um pontífice europeu.
À medida que sua saúde declinava, as viagens de Francisco diminuíam de frequência. Ainda assim, em fevereiro de 2023, ele fez uma peregrinação de paz ao Sudão do Sul, pedindo aos líderes do país que busquem um fim para o conflito civil que começou em 2014.
Francisco também pediu o fim da “guerra absurda e cruel” na Ucrânia, mas decepcionou os ucranianos ao dizer que o conflito pareceu ter sido “provocado” ou pelo menos “não evitado” pelos países ocidentais.
Conservador nos costumes e temas sociais
Por outro lado, o papa Francisco era tradicionalista em muitos dos ensinamentos da Igreja.
Segundo um colega de seminário, Monsenhor Osvaldo Musto, Francisco foi “tão intransigente quanto o papa João Paulo 2º em relação à eutanásia, à pena de morte, ao aborto, ao direito à vida, aos direitos humanos e ao celibato dos padres”.
O pontífice declarou que a Igreja deveria acolher as pessoas independentemente de sua orientação sexual, mas insistiu que a adoção gay era uma forma de discriminação contra crianças.
Embora tenha manifestado certa inclinação em favor de permitir a união entre pessoas do mesmo sexo, Francisco foi contra chamá-la de casamento. Isso, segundo ele, seria “uma tentativa de destruir o plano de Deus”.
Pouco depois de se tornar papa em 2013, Francisco participou de uma marcha contra o aborto em Roma, pedindo direitos para os não nascidos “desde o momento da concepção”. Ele também enviou uma mensagem para o povo irlandês durante a realização de um referendo sobre o tema na República da Irlanda, pedindo aos eleitores que protegessem os vulneráveis.
Francisco resistiu à ordenação de mulheres, declarando que o papa João Paulo 2º havia descartado essa possibilidade de uma vez por todas.
E, embora a princípio parecesse permitir que a contracepção pudesse ser usada para prevenir doenças, elogiou um ensinamento de Paulo 6º sobre o assunto, segundo o qual os contraceptivos poderiam reduzir as mulheres a instrumentos de satisfação masculina.
Em 2015, o papa Francisco disse em uma audiência nas Filipinas que a contracepção envolvia “a destruição da família por meio da privação de crianças”. Não era a ausência de filhos em si que ele considerava tão prejudicial, argumentou, mas a decisão deliberada de evitá-los.
Escândalos de abuso sexual
O maior desafio ao seu papado, no entanto, veio de duas frentes: daqueles que o acusavam de não combater o abuso sexual e pedofilia dentro da Igreja de forma mais incisiva, e dos críticos conservadores que achavam que Francisco estava diluindo a fé. A crítica desses últimos se referia à permissão para que católicos divorciados e casados pela segunda vez pudessem comungar.
Em agosto de 2018, o arcebispo Carlo Maria Viganò, ex-núncio apostólico nos EUA, publicou uma carta de 11 páginas acusando Francisco de ter acobertado crimes sexuais cometidos pelo ex-arcebispo de Washington, Theodore McCarrick. A carta pedia a renúncia do papa.
McCarrick, que liderou a arquidiocese de Washington de 2001 a 2006, durante os pontificados de João Paulo 2º e Bento 16, havia renunciado sob acusações de que teria assediado seminaristas adultos e abusado de um menino durante anos. O religioso alegou inocência.

McCarrick havia deixado a arquidiocese ao completar 75 anos, idade em que os bispos católicos são obrigados a apresentar sua renúncia — que pode ser aceita pelo papa ou não —, mas permanecera no Colégio dos Cardeais, que aconselha o pontífice.
Em sua carta, Viganò também reforçou as críticas da ala mais conservadora da Igreja à modesta abertura de Francisco em relação aos homossexuais, afirmando que “redes homossexuais” dentro da hierarquia da Igreja são cúmplices na “conspiração de silêncio” que permitiu os abusos de McCarrick e de outros.
McCarrick acabou sendo destituído do cargo em fevereiro de 2019, após uma investigação do Vaticano.
Jorge Mario Bergoglio chegou ao trono de São Pedro determinado a reformar o mais alto posto da Igreja Católica. Para dar o exemplo, foi o papa sem floreios que escolheu não morar no Palácio do Vaticano – completo com a Capela Sistina — mas no moderno anexo, que João Paulo 2º havia construído como uma casa de hóspedes.
Francisco acreditava que a pompa equivalia à vaidade. “Observe um pavão: se você o olhar de frente, ele é muito bonito. Mas se der alguns passos para trás e olhar para ele por trás, você perceberá a realidade,” disse.
À sua filosofia, buscou aprimorar a missão histórica da Igreja, eliminando conflitos internos, concentrando-se nos pobres e devolvendo a Igreja ao povo. “Precisamos evitar a doença espiritual de uma igreja autorreferencial”, declarou, após sua eleição. “Se a igreja permanecer fechada em si, autorreferencial, envelhece. Entre uma igreja que sofre acidentes na rua, e uma igreja doente porque é autorreferente, prefiro a primeira.”
Com essas palavras, Francisco indicou claramente que esperava uma oposição doutrinária. Em graus variados, é algo que todos os papas enfrentaram.
O que fortaleceu seus oponentes — de todos os cantos do espectro liberal-conservador — foi sua atuação controversa ao lidar com o histórico de abusos sexuais dentro da instituição.