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Outra reportagem que vem confirmar: finalmente, a indústria da moda se deu conta que o mundo mudou. a população planetária envelheceu e não dá mais para exibir nas passarelas apenas mulheres muito jovens, magérrimas, sem sintonia com o que está acontecendo no mundo real. A reportagem de Gilberto Júnior, publicada em O Globo deste domingo, mostra com muito clareza como a moda vai incorporando outros conceitos, levando em conta o número cada vez maior de pessoas com mais de 50 anos que habitam o planeta. Assim, modelos que fizeram sucesso no século passado estão de volta. E anônimas, gente que nunca frequentou o mundo da moda, estão sendo recrutadas como modelos, nesses novos tempos.
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Nos últimos quatro anos, um movimento interessante começou na indústria da moda. As passarelas foram deixando de ser povoadas apenas por rostos recém-saídos da puberdade. Linhas de expressão e fios brancos passaram a frequentar desfiles de grifes poderosas, como Dolce & Gabbana e Valentino. O terreno estava tão propício que até Christy Turlington, top que fazia sucesso na década de 1990, voltou, em fevereiro de 2019, para as fashion weeks após um hiato de 25 anos para fechar o inverno 2020 de Marc Jacobs. Aos 52, a supermodelo viu sua carreira ganhar novo fôlego e passou a ser disputada por grandes players novamente — Fendi e Calvin Klein são alguns de seus clientes. Na esteira veio Stephanie Seymour, a eterna musa dos clipes “Don’t cry” e “November rain”, da banda Guns N’Roses. Aos 53, ela retornou ao jogo na capa da Vogue Itália e em um desfile da Versace.
Naomi Campbell, de 51, segue inabalável e entre as prediletas da Burberry e de Michael Kors. Helena Christensen, de 52, é musa de marca de lingerie e da linha de óculos da incensada Off-White. No Brasil, a irlandesa Sheila O’Callaghan, de 51, e paulista Rosa Saito, de 70, cover “girls” desta edição, são as favoritas das marcas Farm, Natura, Sauer e Paula Raia. Os tempos, definitivamente, são outros. E a moda está na luta contra o etarismo, preconceito relativo à idade das pessoas — ainda que algumas figuras insistam em reproduzir hábitos ultrapassados.
Sheila O’Callaghan não acredita que a idade seja um fator decisivo para seu triunfo. “Desde o início dessa minha caminhada, não queria ser escolhida porque meu cabelo é grisalho. Quero estar ali porque me encaixo melhor no que a marca deseja comunicar. Por favor, não me chame para preencher espaço ou apenas para que sua grife seja vista como contemporânea. Selecione-me como você faria com uma menina de 20, 30 anos.”
Jornalista por formação e casada com um empresário alemão radicado no Brasil, Sheila esteve no Rio pela primeira vez em 1999. Voltou anualmente até fincar os pés de vez na cidade em 2015. Há exatos dois anos, foi abordada pelo estilista Eduardo Calixto numa feira. O designer ficou apaixonado por sua figura e fez um inesperado convite para que ela fosse sua garota-propaganda. “Fiquei emocionada. No entanto, eu o assegurei que não era modelo. Era editora e repórter, entrevistava chefes de Estado, ministros e empresários do mundo inteiro para entender melhor suas políticas, sucessos e fracassos. Estive em pelo menos 90 países, entre eles Líbia, Angola e Ilhas Salomão”, comenta. “No fim, Eduardo e eu trocamos números de telefone e, algumas semanas depois, nos encontramos novamente. O estilista não sabia, mas eu já havia colocado na cabeça que mudaria de profissão antes dos 50. À época, tinha 49 e estava aberta a fazer algo divertido e diferente.”
Ao lado da irlandesa está Rosa Saito, uma modelo de 70 anos descendente de japoneses. Viúva e mãe de três filhos, Rosa foi parada na rua diversas vezes por olheiros da moda, que enxergavam seu potencial para campanhas e editoriais. “Nunca havia imaginado estar nessa posição, nem sabia se daria certo. Tive que tentar para saber”, conta a modelo. “Estou adorando presenciar este momento de abertura para a realidade, mostrando que beleza não tem idade. Não acho que seja uma tendência passageira. Veio para ficar. Afinal, estamos vivendo mais e a indústria não pode representar somente um grupo da sociedade.”
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Lançada no mercado aos 68, a paulista, que fazia montagem de plantas em vaso, já desfilou na São Paulo Fashion Week, em 2020, e estrelou campanha para a gigante da beleza Natura. Mas essas experiências não vieram antes de muita luta interna. “Amadureci a ideia por mais de um ano. Em dezembro de 2018, fiz uma campanha de beleza. Foi um misto de sentimentos: felicidade, responsabilidade e serenidade, com a certeza de que tudo iria dar certo. Sinceramente, não sei exatamente o que é envelhecer, porque a alma não fica velha.”
De fato, a alma não envelhece, mas a indústria tem dificuldade de entendê-la. Há dois anos, a top dinamarquesa Helena Christensen foi criticada por Alexandra Shulman, ex-diretora da Vogue britânica, ao surgir de bustiê nas ruas, em abril de 2019. Nas páginas do Daily Mail, a jornalista escreveu que a top era “velha demais” para usar a peça. “Nós podemos gostar de pensar que os 70 são os novos 40; e os 50, os novos 30, mas nossas roupas sabem a verdadeira história. Não importa o quão atrevidos sejam seus seios, as roupas simplesmente não parecem as mesmas quando envelhecemos porque são sobre quem as usa”, escreveu Alexandra à época. A modelo rebateu: “Estou muito desapontada por você ter escrito essas palavras. Seu artigo apenas reforça e perpetua opiniões antiquadas. Nunca esperaria isso de você”.
Publicado na Inglaterra, o texto escancarou um problema comum no Brasil, segundo a antropóloga Mirian Goldenberg. “Envelhecer no país significa sofrer de velhofobia, uma violência física, verbal, psicológica, abuso financeiro, maus-tratos, discriminações, estigmas… É uma espécie de morte simbólica. A situação aqui é pior do que na Alemanha, por exemplo, porque nossa cultura sempre foi considerada de jovens. E éramos realmente. Mas estamos vivendo mais, uma média de 80 anos. Envelhecemos, mas continuamos acreditando que a beleza e a produtividade estão muito associadas à juventude”, diz Mirian, autora do livro “A invenção de uma bela velhice”.
Consultora de comportamento, Hilaine Yaccoub afirma que a idade é uma barreira, sim: “As pessoas buscam soluções para sair de um lugar de invisibilidade ou de fracasso. Não à toa, se descobrem esportistas maratonistas, fashionistas criativos e musos fitness. Apesar de toda desconstrução do rótulo, precisamos questionar se esse movimento não está relacionado ao fato de termos liberdade de envelhecer da maneira que quisermos”.
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Anderson Baumgartner, diretor da agência Way Model, que representa Shirley Mallmann e Alessandra Ambrosio, ambas na faixa dos 40, aponta que o mito da juventude eterna caiu. “O mundo passou a exigir veracidade. Hoje, queremos ver a realidade nas redes sociais. A garota-propaganda precisa se identificar com o produto. Digo o mesmo do consumidor”, diz ele. Mirela Dufrayer, líder de marketing da América Latina da WGSN, acrescenta: “Veremos crescer a quantidade de influenciadores mais velhos. Eles trazem o benefício de produzir conteúdos relevantes e robustos, que são mais interessante para os seguidores”.
Não à toa, a presença de modelos maduras reforçam números imponentes divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2019, uma pesquisa apontou que o público sênior representa quase 20% do consumo, movimentando cerca de R$ 1,8 trilhão na economia. Daí a atenção da indústria a essa faixa etária, criando coleções que cabem nesse estilo de vida.
Dona de uma marca homônima de beachwear desde 1991, Lenny Niemeyer conta que sua grife foi pensada para atender mulheres de todos os corpos e de todas as idades. “Existia uma cobrança no passado, muito pautada pelo mercado editorial, de que as modelos precisavam ser perfeitas e jovens. Isso mudou e não creio que seja algo passageiro. Na moda, a juventude está na renovação e na inovação de ideias no processo de construção de um trabalho”, defende Lenny.
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Tida como uma grife que exala juventude, a Farm incluiu Sheila na campanha da coleção que desenhou em parceria com a Smiley. “Esse grupo é sub-representado no universo corporativo; e no mundo ‘vivo’ no geral. Mas esse público tem um superpotencial de consumo, se analisarmos do ponto de vista de negócio”, explica Katia Barros, diretora criativa da etiqueta.
Filha da consultora de moda Costanza Pascolato, a influenciadora Consuelo Blocker, de 57 anos, alerta para que o cliente não caia simplesmente numa ação de marketing. “As marcas e os estilistas não são maldosos. Mas não tínhamos esse costume. E para mudar algo estabelecido, são necessárias disrupções”, avalia Consuelo. “No fim, ser velho no Brasil não é ruim; é errado. Cada fase, no entanto, é tão interessante.”
A pesquisadora de moda Paula Acioli conclui: “A ideia é criar ponte, e não mais um muro (como antes existia) entre as gerações, unindo tradição e modernidade. E neste processo, ganham a indústria e os consumidores”.
Como deve ser.
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Acho o máximo e com um grande público.É o meu sonho desde minha adolescência,mas hoje ainda gostaria de experimentar desse sonho,sou bastante fotogênica, psicóloga (me formei com à idade de 67 anos e já exerço à profissão).O grande problema é que não tenho dinheiro para iniciar minha carreira,mas se tiver algum publicitário que apostar em mim não vão se decepcionar darei o máximo de mim.