Márcia Lage
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Uma irmã que nunca gostou muito de comemorar aniversário organizou uma peregrinação a Pirenópolis, cidade histórica, em Goiás, a duas horas de Brasília, para celebrar seus 57 anos.
Ela foi sobressaltada duas vezes este ano: teve dengue, doença que já atingiu cinco milhões de brasileiros e matou três mil até maio, e uma infecção alimentar gravíssima, que a levou para o CTI.
Se morasse num local de poucos recursos médicos, sem plano de saúde, onde o SUS é pressionado demais, talvez o estrago da comida tivesse sido fatal.
Por ter sido assediada pela morte, a mana fez a festa de desagravo. Dos nove irmãos, sete mulheres acorreram ao chamamento. Levantaram voos de Belo Horizonte, Goiânia e São Paulo, para celebrar o restabelecimento da saúde da penúltima da família.
A farra foi quase igual aos Natais, quando quatro gerações se encontravam para uma semana de convivência na casa materna. Aos nove meses da morte da nossa mãe, nasce uma forma trabalhosa, mas não impossível, de
preservarmos o ritual dos encontros, rarefeitas por doenças, desânimo e falta de pouso, uma vez que a casa da família não existe mais.
Já a de Pirenópolis, emprestada por amigos, lembrava a outra, com muitos quartos e o aconchego das construções coloniais: paredes de adobe, cozinha grande, quintal, onde acendemos uma fogueirinha sob o céu irradiante do Cerrado.
Cantamos, dançamos, adultos e jovens, inebriados pelo vinho e pelo reencontro, marcado pelo empenho em oferecer a todos o máximo de satisfação possível.
Criamos, com a retomada do convívio, uma reserva de conforto emocional que nos acompanhará ao longo do ano, protegendo-nos das infelicidades que atravessam os caminhos de todo mundo.
Restauramos o prazer edificado nos Natais. Fomos em ruidoso grupo para as cachoeiras e restaurantes de Pirenópolis, recuperando as risadas, a irreverência, a ironia e as brincadeiras de uns com os outros, na alegria que o comer, beber e amar proporcionam.
Retornamos às nossas vidas convictos de que é possível manter coeso um grupo familiar, mesmo quando ele perde a referência dos pais e envereda coletivamente pelos caminhos da velhice.
Viver em harmonia é sempre um grande esforço. A consciência desse esforço é que promove os encontros e garante o seu sucesso, gravando na memória as boas lembrancas às quais podemos recorrer nos momentos difíceis.
Podemos nos separar físicamente ou seguir juntos. A escolha é individual. Porém, unidos, somos mais fortes e
felizes.
O amor tem chance de vicejar com mais vigor onde a tolerância supera as divergências.
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