Não se deixe enganar pela forma breve deste livro: são páginas muito densas, para serem lidas e relidas. Das reflexões de Angelo Scola, colho algumas passagens que ressoam particularmente com aquilo que a minha própria experiência me levou a compreender.
Angelo Scola nos fala da velhice, da sua velhice, que – ele escreve com um toque de desconcertante sinceridade – ‘caiu sobre mim com uma aceleração repentina e, em muitos aspectos, inesperada’.
Já na escolha da palavra com que se autoidentifica, ‘velho’, encontro uma afinidade com o autor. Sim, não devemos ter medo da velhice, não devemos temer abraçar o envelhecer, porque a vida é a vida, e adoçar a realidade significa trair a verdade das coisas. Restituir orgulho a um termo muitas vezes visto como pejorativo é um gesto pelo qual devemos ser gratos ao cardeal Scola. Porque dizer ‘velho’ não significa ‘descartável’, como às vezes uma cultura degradada do descarte nos faz pensar. Dizer velho, ao contrário, é dizer experiência, sabedoria, discernimento, ponderação, escuta, lentidão… Valores dos quais precisamos urgentemente!
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É verdade, envelhecemos, mas esse não é o problema: o problema é como envelhecemos. Se vivemos essa etapa da vida como uma graça, e não com ressentimento; se acolhemos esse tempo (ainda que longo) em que experimentamos forças reduzidas, o cansaço físico crescente, os reflexos já não iguais aos da juventude, com um senso de gratidão e reconhecimento, então, a velhice também se torna uma etapa da vida, como nos ensinou Romano Guardini, realmente fecunda e capaz de irradiar o bem.
Angelo Scola destaca o valor humano e social dos avós. Já ressaltei várias vezes como o papel dos avós é fundamental para o desenvolvimento equilibrado dos jovens e, em última análise, para uma sociedade mais pacífica. Porque seu exemplo, suas palavras, sua sabedoria podem inspirar nos mais jovens um olhar mais amplo, a memória do passado e o apego a valores duradouros. Em meio à correria das nossas sociedades, muitas vezes voltadas para o efêmero e para o gosto doentio pela aparência, a sabedoria dos avós torna-se um farol que brilha, ilumina a incerteza e dá direção aos netos, que podem tirar da experiência deles um ‘algo a mais’ para sua vida cotidiana.
As palavras que Angelo Scola dedica ao tema do sofrimento, que muitas vezes se instala com o envelhecer, e consequentemente à morte, são joias preciosas de fé e esperança. Na argumentação deste irmão bispo, ouço ressoar a teologia de Hans Urs von Balthasar e de Joseph Ratzinger, uma teologia ‘feita de joelhos’, imersa em oração e diálogo com o Senhor. Por isso, disse há pouco que estas são páginas nascidas do ‘pensamento e do afeto’ do cardeal Scola: não apenas do pensamento, mas também da dimensão afetiva, aquela à qual a fé cristã remete, pois o cristianismo não é tanto uma ação intelectual ou uma escolha moral, mas, sim, o afeto por uma pessoa, aquele Cristo que veio ao nosso encontro e decidiu nos chamar de amigos.
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É justamente a conclusão destas páginas de Angelo Scola, que são uma confissão de coração aberto de como ele está se preparando para o encontro final com Jesus, que nos devolve uma certeza consoladora: a morte não é o fim de tudo, mas o começo de algo. É um novo começo, como sabiamente destaca o título, porque a vida eterna – que quem ama já experimenta aqui na terra em meio às ocupações do dia a dia – é o começo de algo que não terá fim. E é exatamente por isso que é um começo ‘novo’: porque viveremos algo que nunca vivemos plenamente – a eternidade.
Com estas páginas nas mãos, gostaria idealmente de repetir o mesmo gesto que fiz assim que vesti o hábito branco de Papa, na Capela Sistina: abraçar com grande estima e afeto o irmão Angelo, agora ambos mais velhos do que naquele dia de março de 2013. Mas sempre unidos pela gratidão a esse Deus amoroso que nos oferece vida e esperança em qualquer idade da nossa existência.
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