
Márcia Lage
50emais
A culpa não é de Lula, nem do Bolsonaro. A culpa é do jogo sujo que todo presidente brasileiro tem que jogar com esse Congresso cada vez mais de costas para o país. Que exige a transformação dos Ministérios e demais órgãos públicos em galinheiros, para que lá possam alojar suas raposas insaciáveis.
O INSS, para ser uma instituição livre de corrupção, tem que deixar de ser moeda de troca com partidos políticos e passar a ter uma gestão técnica. O órgão é, desde que foi criado, a casa da mãe Joana para pagar propinas aos cafetões da zona do toma-lá-dá-cá que existe neste país.
Trabalhei lá uma vez. Logo depois que lançaram o empréstimo consignado. Velhinhos começaram a falir porque eram seduzidos por centenas de instituições financeiras, criadas da noite para o dia, a tomar dinheiro a juros exorbitantes. Não havia limite mínimo para os juros e nem o percentual máximo a ser comprometido do provento do aposentado/pensionista.
Uma das coisas que fiz, como assessora de imprensa terceirizada do órgão (era prestadora de serviço de uma empresa do Paraná que nem sequer conhecia) foi conseguir colocar na página do INSS a lista de todas as instituições que ofereciam o empréstimo consignado, com sua respectiva taxa de juros. Havia bancos cobrando até 5% ao mês.
Fiquei lá só três meses, porque a empresa do Paraná não pagava em dia e o ambiente de trabalho era obscuro. Nenhum presidente ou diretor queria que houvesse clareza na comunicação com os beneficiários.
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A mesma falta de clareza continua até hoje no site e no aplicativo MEU INSS. Um cidadão analfabeto, de pouco traquejo com o celular, não vai descobrir nunca que está sendo roubado. Porque tem que dar voltas e mais voltas para pegar o extrato correto que diz o que ele está recebendo e o que está sendo descontado.
Esse mês agora, por exemplo, quando o governo pagou metade do 13°, o que aparece é a soma do benefício. Isso pode levar o cidadão a crer que sua aposentadoria sofreu reajuste e gastar um pouco mais.
Da mesma forma não se sabe quanto foi descontado para o Imposto de Renda ou de um possível empréstimo consignado ou participação em instituições sociais tipo as que estavam lesando milhares até o mês passado. Pior: nem todas as informações contidas no aplicativo são iguais para todos.
Quando uma pessoa me pede para ajudá-la no APP vejo que, mesmo chegando ao extrato de pagamentos delas, faltam informações que aparecem nos meus, como o desconto do IR, por exemplo.
Então, o INSS tem que devolver mesmo tudo o que foi roubado. Porque foi conivente com as instituições que fizeram os saques.
No dia em que a minha aposentadoria foi concedida (e antes que a primeira parcela fosse paga) eu comecei a receber ligações de vários bancos oferecendo empréstimo e de várias associações oferecendo benefícios. Como eles sabiam que eu era mais um peixinho na rede deles? O INSS fornece (ou vende) os dados, óbvio.
Não é CPI nem Impeachment de Lula que vai resolver essa questão, mas a moralização completa do INSS com gestão puramente técnica, extraída de seus honrados quadros de carreira; demissão sumária de seus servidores corruptos e proibição de que exerçam atividades políticas e cargos públicos para sempre e que, se abrirem empresas, não possam prestar serviços a nenhuma instituição de governo.
É necessário extinguir essas instituições financeiras ou “sociais” criadas para lesar o contribuinte, proibir qualquer desconto em folha de empréstimos consignados ou mensalidades associativas (eles que emitam seus boletos) e, principalmente, garantir a segurança absoluta dos dados do beneficiário.
É preciso, ainda, criar um conselho de fiscalização que a cada seis meses, por exemplo, faça uma varredura nas áreas vulneráveis do INSS, apontem os erros, corrijam as distorções e deem visibilidade às atitudes tomadas, para que o cidadão volte a confiar nessa instituição.
O que não pode continuar acontecendo, nem no INSS, nem em nenhum órgão público prestador de serviço, é esse desrespeito ao cidadão.
Lembrando que o Brasil é um país com 5.571 municípios, a maioria sem representação da justiça, sem bancos aonde buscar um extrato de benefícios, sem rede de Internet e sem educação de qualidade.
Aplicativos como o MEU INSS não alcançam a todos. É importante colocar mais atendentes humanos no número 165; investir na informação direta ao cidadão quando notar fraudes no sistema e, mais que tudo, não cobrar essa fatura dos 6,3 bilhões roubados na nossa própria conta, com falta de correção das aposentadorias, atrasos nos pagamentos ou uma nova reforma que prejudique a todos.
É disso que tenho mais medo.
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