
Márcia Lage
50emais
Sexo na terceira idade é tema que, volta e meia, entra na pauta: pesquisas acadêmicas tentam aferir a continuação da prática após os 50 anos, novos medicamentos são lançados para garantir a libido, namoros e casamentos na velhice são alardeados em reportagens, enfim, há todo um aparato de comunicação para estimular os relacionamentos afetivos/sexuais entre os velhos.
No cinema, quem não se lembra de Nossas Noites, estrelado por Jane Fonda e Robert Redford? Esse filme, de 2017, foca na questão da solidão na velhice. A viúva Addie propõe a seu vizinho, Louis, também viúvo, que compartilhem suas noites solitárias na cama um do outro.
Chocado pela proposta e endurecido afetivamente pelos anos vividos sem companhia, Louis resiste a princípio. Com o tempo, criam confiança um no outro e terminam se apoiando em diversas questões que os incomodam (filhos, netos, abandono) numa relação de amizade que, eventualmente, inclui sexo.
Outro filme, Boa Sorte, Leo Grande, de 2022, está na Netflix, e aborda o assunto de forma mais direta. A viúva Nancy (Emma Thompson) contrata um garoto de aluguel ( Daryl MacCormack) para realizar suas fantasias sexuais, adormecidas à força por um casamento enfadonho de mais de 40 anos.
Nancy procura por um orgasmo perdido nessa vida de casada. Mas, quando se depara com a juventude, a sensualidade e a beleza do parceiro que contratou, trava-se ainda mais. Sente-se velha, a auto-estima abalada, cheia de ideias religiosas sobre prazer e sexo. Tenta desfazer o negócio, mas Leo toma as rédeas da situação, ouvindo-a quase como um psicólogo.
O título do filme entrega menos do que insinua em performances sexuais. De forma delicada, faz um debate sobre a prostituição masculina, o direito universal ao sexo, aceito naturalmente para os homens e censurado para as mulheres, e propõe o acesso igualitário ao orgasmo, até em instituições públicas de saúde.
A ideia do casamento como antídoto para a solidão é desconstruída pelos relatos da viúva, desiludida com a frieza do marido e com a insipidez dos filhos. Sempre esteve só na vida a quatro. Deu o máximo que podia e chegou à velhice tão solitária quanto sempre foi, forjada numa bolha cristã, onde sexo prazeroso era considerado pecado de luxúria.
Leo Grande tem orgulho do trabalho que faz. Sente-se útil e importante para os renegados do sexo. Destrói as concepções arraigadas de Nancy sobre a prostituição, narrando casos de clientes com deficiência física, com idades superiores às dela, com os quais ele mantém encontros sexuais ou como simples companhia. Que chance eles teriam de se darem prazer se não fosse com garotos de programa?
Assim, mais como psicólogo do que como amante, Leo vai conquistando a confiança da Nancy, que finalmente consegue se olhar no espelho sem censurar o próprio corpo envelhecido. E, dele, tira seu primeiro orgasmo, com a autoaceitação e a descoberta do prazer na masturbação.
O filme me levou a pesquisar sobre serviços de prostituição masculina no Brasil e fui surpreendida com vários sites a respeito. Um deles, inclusive, famoso por financiar times de futebol. A questão do acesso universal ao sexo está sendo defendida com vigor nesses sites, com depoimentos e entrevistas de garotos de programa tão bonitos quanto Leo Grande.
Custam caro. Mas oferecem um trabalho fundamental para a saúde física e emocional de mulheres que, pelo etarismo, ou por alguma deficiência que as limite no mercado convencional dos relacionamentos afetivos, se fecham para o prazer e o bem-estar que o sexo proporciona.
Quem tiver dinheiro para pagar, que não se acanhe. As oportunidades estão escancaradas nas redes.
(As opiniões e informações contidas nas matérias publicadas pelo 50emais são de responsabilidade dos autores e não refletem, necessariamente, a visão do canal. O 50emais não se responsabiliza por eventuais imprecisões ou consequências do uso do conteúdo divulgado.)
Leia também de Márcia Lage
A longa noite sob efeito da ayahuasca
Um belo exemplo de contribuição para reverter a crise climática
Minhas preciosas quatro mudas de jacarandá da Bahia
Ela também se chamava Márcia Lage
A volta em torno da terra em 70 anos
Toda criança é um presente de Natal
Médico Thales Bretas recomenda a leitura de “A Tal da Terceira Idade”. de Márcia Lage