Maya Santana, 50emais
Nos últimos tempos, publiquei vários artigos aqui no 50emais sobre as facilidades e benefícios que os brasileiros têm quando vão viver em Portugal, inclusive os aposentados. Portugal virou moda no mundo inteiro. Até a cantora Madonna está morando lá. À medida que a crise econômica no Brasil foi se agravando, muitos brasileiros deixaram o país e se fixaram, principalmente, em terras portuguesas. Muita gente saiu e continua saindo em busca de uma vida melhor. Mas começa a haver um movimento de retorno ao Brasil. E este artigo do Estadão, de Ruth Manus, brasileira que mora em Portugal desde 2014, explica por quê. Portugal não é o paraíso que muita gente pensa.
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Antes de tudo: Portugal é fantástico e eu amo esse país no qual vivo há 4 anos. Nunca quis sair do Brasil, mas me apaixonei por um português e a única forma de ficarmos juntos era eu vir para cá. Sou feliz aqui, mas vejo, muito assustada, a quantidade de brasileiros que está criando uma perigosíssima ilusão quanto à vida em Portugal.
Concordo que o cenário no Brasil não está nada bom. Concordo que, quando Bolsonaro é fortemente cotado a presidente da República, não dá vontade de criar filhos nesse lugar. Entendo quem queira ir embora. Talvez, nesse momento de ignorância e truculência, até eu tivesse a vontade que nunca tive de partir daí.
Ocorre que- surpresa- Portugal não é o paraíso. Ouço um monte de gente dizer que vai pedir demissão, vender tudo e tentar vida nova em Lisboa com o discurso de “não preciso de muito, só uma casa, um empreguinho e para o resto vou usar serviço público”. Então, vamos lá, isso é uma ilusão do início ao fim.
Comecemos pelo fato de que Portugal está muito, muito na moda. Europeus de todos os cantos, africanos e milhares de asiáticos também descobriram o país. Portugal está absolutamente em alta, o que é bom para o turismo e melhora um pouco a situação econômica. Mas aumenta a concorrência para os trabalhos, aumenta os preços de tudo e, infelizmente, aumenta a resistência dos portugueses com os estrangeiros.
Esse movimento todo gerou no país uma especulação imobiliária sem precedentes. Os imóveis, para comprar ou alugar, estão realmente muito caros. A diferença entre hoje e 2014, quando cheguei, é assombrosa. Mas atenção a um detalhe: os estrangeiros começaram a comprar e alugar casas com dinheiro vindo de fora, ou seja, os salários em Portugal não aumentaram na mesma progressão que o aumento dos preços para viver nas principais cidades. Resultado: quem vive do dinheiro que se paga a título de salário em Portugal, não está tendo dinheiro para pagar aluguel nas capitais. A conta não fecha.
Quanto a “encontrar um emprego qualquer” em Portugal… Vamos lá. O turismo realmente abriu muitos postos de trabalho por aqui. Trabalho em restaurantes, hotéis, transportes. Os brasileiros não têm grandes dificuldade para conseguir empregos como garçom, vendedor ou camareira. Mas vejo pessoas achando que vão chegar aqui e facilmente conseguir trabalho como advogado, engenheiro, publicitário, administrador. Surpresa: não vão. E se, a duras penas, conseguirem, os salários serão muitíssimo mais baixos do que se imagina. Mesmo.
Quanto ao sistema público (nem vou entrar na conversa óbvia de ter que explicar que nem todos têm direito a utilizá-lo), posso dizer que 90% dos amigos portugueses que tenho têm plano de saúde privado. E seus filhos estudam em escolas privadas. E não, não é baratinho. E que mesmo nas escolas públicas quase sempre é preciso pagar um valor mensal. Quando olho para um centro de saúde público de Portugal, me pergunto se elite brasileira estaria disposta a viver assim. Tenho certeza absoluta de que não. Quem está habituado à desigualdade social tem sérias dificuldades para abrir mão dos seus privilégios.
A sensação de segurança realmente existe por aqui. Andar de ônibus à noite (lembrando que um bilhete para um trajeto, comprado com o motorista, custa quase 2 euros) sem medo é mesmo um luxo. Mas vale dizer: furtaram o celular de diversos conhecidos aqui. Deixamos nosso carro na rua de casa e no dia seguinte encontramos os vidros quebrados e não sobrou nem a cadeirinha da minha enteada para contar história. O paraíso não existe.
Mais um detalhe relevante: brasileiros são bem vindos a Portugal até a página dois. Gostam da nossa música, da nossa alegria, da nossa caipirinha. Mas não gostam tanto assim dos nossos diplomas e frequentemente não acham que somos bons o bastante para ocupar certos cargos, frequentar certos lugares ou para namorar certas pessoas. Somos frutos de uma ex-colônia. Somos América Latina. Somos hemisfério sul. E isso fica evidente na forma como somos tratados.
Uma coisa é ouvir um jovem qualquer de 20 e poucos anos dizer que vai tentar a vida fora com uma mochila nas costas. Outra coisa é ouvir que uma família com 3 filhos vai arriscar tudo para morar fora, sem certeza nenhuma, sem nem saber bem o que está fazendo, embarcando numa ilusão extremamente irresponsável. E é isso o que tenho ouvido por aí.
Portugal é um país lindo, onde se come bem e onde é possível ser feliz. O Brasil também. Com vantagens e desvantagens, nenhum dos dois é a Noruega. Portugal mais seguro, Brasil mais alegre. Portugal mais sereno, Brasil com muito mais oportunidades. Mas parece que tem gente achando que Portugal é um país escandinavo perdido na península ibérica. Surpresa: não é. Pensem bem no que estão fazendo.