Desde que Chico Buarque anunciou que não vai mais cantar a bela “Com Açúcar, Com Afeto, composta na década de 60, a pedido de Nara Leão, abriu-se um verdadeiro debate sobre a atitude dele – motivada por queixas de que a música é um hino ao machismo e à subserviência da mulher. Muito se tem escrito. Mas nada do que li até agora tem a contundência, a força desta Carta a Chico Buarque, escrita em Goiânia e assinada por Ana Lúcia Vilela na Revista Caliban, editada em Portugal. “Essa mulher que espera seu homem, essa mulher que lhe faz o doce preferido sabendo que o açúcar nada pode contra o apelo das peles coloridas das outras, essa mulher que sabe e prefere ignorar as inverdades desse homem, essa mulher sou eu,” diz ela em certo trecho desse esplêndido texto.
Cresci te ouvindo, nessa compreensão incompreensível de quem ouve e insiste no perigo de mirar a agulha naquela exata faixa do vinil. Cinco, dez vezes. O gesto repetido, entretanto, não permitia distinguir o que toca, apunhala e acaricia. E ali, naquele lugar de aconchego e desespero, sua música me abraçava. Dois, três, quatro, cinco, seis anos de idade. Nasci em 1972, de pais clandestinos. Sua música era, para mim, o lar constante nas casas alternadas, nas mudanças irremediáveis, imprevisíveis, misteriosas.
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