Mário Terenzi
Até um certo ponto da minha vida, idade não era nenhum problema.
Me lembro de situações, mesmo depois dos 40 anos, em que tive que fazer as contas para ter certeza de quantos anos eu tinha.
Não tive a famosa “crise dos 40” masculina, pelo menos não aos 40 anos.
Nunca comprei um carro conversível e saí pela cidade de óculos escuros, por exemplo.
Mas houve um momento específico, quando eu tinha uns 40 e tanto, que um pensamento aparentemente simples teve o poder de me despertar para a minha finitude.
Sempre gostei de línguas, já estudei algumas, mas pensei que eu jamais estudaria alemão.
Não que tenha me feito muita falta na vida (talvez só para ler Freud, Hegel e Heidegger no original), mas aquilo teve o efeito de me lembrar que existiam coisas na vida que eu não “poderia” mais fazer.
Até então, parece que eu vivia com a sensação de que eu poderia fazer qualquer coisa na vida, pois teria tempo suficiente.
Claro, pois sei que alguns pensaram nisso, eu poderia ter começado a estudar alemão naquela época (ou mesmo hoje), mas não era esse o ponto, a questão era perceber que a época para isso já havia passado.
Também já havia passado a época de fazer a tatuagem que nunca fiz, pois já me parecia ridículo, seria como o carro conversível do tiozão da Sukita.
Com o passar dos anos, as coisas que eu não poderia mais fazer foram se acumulando.
Ou mesmo aquelas em que sei que estou fazendo pela última vez.
Isso acontece muito nas viagens, amo viajar, viajo muito, falta muita coisa ainda para conhecer neste mundo, mas, na maioria das minhas viagens dos últimos anos, a sensação que tenho é de um “prazer em te conhecer” na chegada e um “adeus” na saída.
Faço questão de pagar todos micos dos programas mais turísticos possíveis, pois sei que não voltarei mais.
Claro, lugares como Paris, Veneza, Viena e mais alguns sempre poderão ser revisitados, mas não é o caso dos lugares “comuns”.
Acho que a velhice é meio isso, uma lenta despedida das coisas, lugares, pessoas, paixões, ilusões…
Às vezes, faço isso com alegria, do tipo “conheci mais uma coisa” e já percebi que isso me faz mais preparado para me aproximar do meu fim, pois tenho a impressão de que seria muito pior morrer com a sensação de que poderia ter feito muitas coisas que não fiz simplesmente por que não quis ou não tive coragem.
Mas, outras vezes, dói.
É muito comum, e deve ser com todo mundo, que eu me esqueça por alguns segundos que a idade da minha cabeça é muito diferente daquela do meu corpo e me veja tendo pensamentos “jovens”, como se ainda fossem possíveis: ser jogador de futebol, astro do rock ou viver de novo um grande amor juvenil de verão, por exemplo.
Mas, aí, cai a ficha, e isso é saudável, evita muitos vexames.
Pouco depois de me separar, quando eu tinha 46 anos, conheci uma garota que tinha 22 e que parecia interessada em mim, éramos colegas de faculdade no curso de Letras.
Depois de muitas conversas, especialmente pelo MSN (quem se lembra?), ficou claro que havia um interesse recíproco em estreitar a relação.
Lembro de ter perguntado a ela:
– Você já percebeu que eu tenho o dobro da sua idade, não?
Eu não acreditava que uma menina tão nova, bonita, inteligente, iria gostar de um “velho” como eu.
Mas a resposta dela me desconsertou:
– Para mim, isso não é problema algum, mas, se te incomoda namorar uma pessoa tão mais nova, tudo bem, eu entendo, sei que não posso oferecer tudo que você espera.
Namoramos por três meses, foi uma experiência muito legal, e o namoro terminou da forma mais improvável possível: ela começou a ter muito ciúmes de mim (sem razão, diga-se de passagem).
Eu achava que era o inverso que deveria acontecer!
Hoje, quando cheguei aos 60, tenho uma grande pergunta para mim mesmo.
Será que eu não faço (ou não cogito fazer) algumas coisas por medo e acomodação ou simplesmente por sabedoria?
Será que eu deveria estudar alemão, pois, afinal de contas, espanhol eu comecei a estudar a sério faz apenas dois anos?
Não tenho respostas.
Ou talvez tenha: o que faço hoje na vida é aprender todas as coisas novas que posso, viajar o máximo que consigo e usar, de alguma forma, essas experiências para fazer algo de bom, seja atendendo meus pacientes na análise (sem cobrar muitas vezes), seja tentando disseminar algum conhecimento que possa ter, desde que seja com paixão (como acontece, atualmente, com a Física).
Quando passo um sábado à noite em casa, fico pensando se estou “perdendo” alguma coisa, se eu não deveria sair pela “night”, vivendo “novas emoções”, mas, na verdade, tenho muita preguiça.
Será que é por isso que gosto cada vez mais de chuva?
Isso é acomodação, medo ou maturidade?
Acho que um pouco de tudo, na verdade.
Mas, se for para ficar em casa e escrever alguma reflexão como essa, talvez seja mais saudável e de alguma utilidade.
Ou, parodiando (mal) Aristóteles, na sua “Ética”, escrita para seu filho Nicômaco, felicidade não é ter riquezas, não é (só) ter saúde, é ser aquilo que você realmente é.
Freud e Lacan concordariam com isso.
Trabalho com isso todos os dias, ajudar meus pacientes a descobrirem quem eles realmente são (e não quem eles “deveriam” ser) e, mais difícil, estimulá-los a assumirem seu verdadeiro eu, sem grandes preocupações com os outros.
E quem sou eu?
Acho que esse texto é uma procura de resposta à essa pergunta aristotélica fundamental.