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Nunca imaginei que aquela amiga independente, que sempre gostou de sair à noite e de desfrutar da vida como dona absoluta do seu próprio nariz, viveria seus últimos tempos de vida como prisioneira dos dois filhos.
Essa é uma história triste, porque envolve uma octogenária desesperada para reassumir o controle de sua vida e um filho e uma filha que julgam saber mais o que é melhor para a mãe, fazendo-se de surdos aos apelos dela pela liberdade perdida.
Mariana Lamarco (nome fictício) começou a viver sob a ditadura imposta pelos filhos no dia em que passou mal e foi encontrada caída num dos cômodos de sua ampla casa, num dos bairros mais conhecidos de São Paulo.
A casa de dois andares, onde morava há mais de 30 anos, havia sido comprada com o dinheiro que poupara a vida inteira, depois da separação do segundo marido. A partir daí, passou a morar sozinha, já que o filho tinha o próprio apartamento e a filha se casara.
Foram anos de vida intensa, muitos namoros, viagens dentro e fora do Brasil, almoços e jantares com os amigos, num vai e vem contínuo de quem exercita plenamente sua liberdade. A carreira de fotógrafa também floresceu e vários de seus ensaios fotográficos foram parar nas principais revistas do país.
O tempo passou. A velhice chegou. Sem prestar muita atenção ao avançar da idade, Mariana continuou ativa, alegre e bem disposta. Até o fatídico dia em que perdeu a consciência e precisou ser internada. Recebida a alta, os filhos a levaram para esta casa, onde se encontra até hoje.
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Escolheram uma dessas clínicas, também chamadas de casas de repouso, onde o idoso divide o quarto com outros internos – no caso de Mariana, duas companheiras -, e perde toda a privacidade.
Num primeiro momento, minha amiga pensou que aquilo seria temporário. Dois meses depois, os filhos apareceram com uma procuração para que ela assinasse. Mesmo desconfiada, assinou.
Passado um tempo, comunicaram que haviam vendido a casa e o velho carro que ela mantinha há décadas. Perplexa, Mariana perguntou pelo dinheiro da venda. Responderam que não precisava se preocupar. “Está depositado.” Mas não disseram onde, nem mostraram os detalhes da conta bancária.
Já se passaram quase dois anos que Mariana foi “aprisionada” e só pode deixar a clínica para fazer qualquer coisa com autorização da filha.
Na semana passada, quando liguei para ela, chorou muito, reclamou dos filhos, dizendo não entender por que a tratam como se já não tivesse qualquer importância na vida deles e confessou que, “muitas vezes, quando acordo e penso na minha situação, só quero morrer.”
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Eu, que cuidei dos meus pais com tanto carinho até o fim, porque amava e respeitava ao extremo minha mãe e meu pai, fico me perguntando o que leva certos filhos a agirem de maneira tão cruel. Exatamente no momento em que os pais mais precisam de amparo, são tratados como um fardo, como algo dispensável.
Mariana repete: “Não fui uma mãe tão ruim assim. Por que será que não me querem mais?”
Escrevendo sobre essa história, me vem a mente uma frase que li em algum lugar e que se aplica bem a esse caso: “Todo filho é um pouco filho da puta!”
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