Depoimento dado pela diretora Carla Di Bonito à jornalista Ana Maria Cavalcanti:
Quando deixei o Ceará com apenas 19 anos,tinha pouco dinheiro, pouca experiência, mas meus sonhos eram imensos. “Desde a infância e adolescência eu dizia para minha mãe que queria conhecer o mundo. Queria aperfeiçoar as cinco línguas que tinha aprendido no Centro Cultural de Fortaleza, mantido pela Universidade federal.
Minhas pernas tremiam quando desembarquei em Roma em 1985. Mas enfrentei o medo. Para ganhar a vida trabalhei cuidando de idosos, crianças e fazendo limpeza, em troca de acomodação.
Aos poucos fui viajando por aqueles países que conhecia a língua. Dez anos depois, cheguei a Londres, onde estou até hoje. Tive sorte porque trabalhei na BBC no Newsnight e no Breakfast News, dois famosos noticiários da casa. Depois, passei quatro anos na redação da BBC Brasil.
À medida que o tempo passava e a experiência aumentava, fui dando asas a meus sonhos. Sabia que precisava estudar mais. Fiz inscrição na Southbank University para fazer o curso de cinema. Fui aprovada com louvor e me especializei em direção e roteiros. Eram matérias bem difíceis. No final de três anos de curso, os alunos tinham que apresentar um curta metragem. Foi aí que surgiu “Luzinete.”
É uma história inspirada na vida real, em que uma garota se vicia em cocaína e, depois, torna-se traficante. Morre de overdose. As imagens do filme são dramáticas, num close do rosto de Luzinete, ela aparece deitada na cama com a boca espumando, morrendo.
Luzinete, na verdade, era minha irmã, que deixou o Ceará e foi morar na Bahia, onde a vida dela veio ladeira abaixo.
O curta metragem, com pouco mais de 13 minutos de duração, ganhou o Scoop Award for best directing. E Já foi selecionado em seis outros festivais, um deles em Moscou.
Não foi fácil fazer o curta. Orçamento pequeno, 18 hs de trabalho por dia, as lembranças dolorosas de minha irmã e Covid como pano de fundo. Mas com a garra de toda a equipe, conseguimos.
Hoje, essa cearense loira de olhos verdes, sonha ainda mais alto: quer fazer um longa metragem mas, antes, trazer “Luzinete” para o Brasil.
Aprendi que nesta profissão de cineasta nós mulheres somos capazes de muito. Aprendi a ter confiança em mim mesma e a usar mais e mais o meu potencial criativo. Aprendi a encarar o medo e a defender com firmeza o que eu acredito que posso conquistar.
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